PÁSSAROS QUE CANTAM TRISTES

PÁSSAROS QUE CANTAM TRISTES

*Rangel Alves da Costa

Os gorjeios e os madrigais são poesias nas vozes passarinheiras. O canto de um passarinho é melodia que faz festa no coração, que desperta sentimentos e faz pulsar sensações amorosas. O belo canto do uirapuru, do sabiá, do canário e de tantos outros pássaros seresteiros debaixo da lua ou do entardecer sobre a copa das árvores grandes. Mas nem todos possuem cantos maviosos, melodicamente confortantes. Até mesmo pássaros de cantos alegres passam a trinar tristezas. Sons lamentosos, aflitivos, agonizantes, quase macabros, assim como uma Mãe-da-lua, um Urutau, uma Acauã. Chora Acauã, chora Acauã...

E assim por que os pássaros também sofrem perdas, sentem saudades, agonizam. E assim por que os pássaros também lamentam os adeuses, as partidas, as despedidas. E talvez chorem rios, desaguem mares de dores. Humanos pássaros, pássaros humanizados ao sofrimento. E todos nós lamentosos dos ninhos, das verdades ou incertezas da vida, e voando até o cume das árvores. Mirando os horizontes e cantando a dor, trinando as angústias e aflições. E sob as penas as penas, e sob as asas as asas, e no canto o canto que implora um voo perante novos horizontes.

Qual motivo possui um João de Barro para cantar alegre? Acaso confirmada a lenda, não haveria motivo algum para que o seu canto fosse outro senão o de dor. Dor da perda, da traição, do sacrifício vão, do não reconhecimento, do amor devotado e não retribuído. No João de Barro a história de um trágico amor, ou de uma tragédia amorosa. Amante, enamorado, apaixonado por sua passarinha, por sua Maria de Barro, tudo faz para lhe dar conforto e segurança, e para tal lança-se ao esforço e sacrifício de construir um belo lar. Catando barro lamacento no chão, ou amolecendo o barro com a própria saliva, vai levando os pequenos tufos e, lá no alto, unindo argila em argila, para dar forma e vida à sua casinha. Ora, precisa oferecer o melhor à sua amada.

Mesmo com a companheira já dentro do ninho, ele sabe que precisa fazer mais, oferecer vida melhor. Além das paredes externas vai construindo varanda, sala e quarto, e tudo na perfeição de engenharia humana. Quem avista sua casa, logo imagina ser apenas uma entrada com um interior oco, sem nenhuma divisão, mas não, pois lá dentro tudo em seu devido lugar. E assim, depois de tanto esmero, de tanto voo e luta, a sua casinha enfim fica pronta, e João de Barro esperançoso fica de ser retribuído com mais e mais amor.

Contudo, o inesperado acontece. Como se humanizada estivesse, vez que o ser humano sempre propenso às traições amorosas, eis que a Maria de Barro passa a desconhecer o amor devotado por João de Barro e começa a traí-lo. É a música João de Barro, de autoria de Muibo Cury e Teddy Vieira, que melhor traduz essa história triste de um trágico e passarinheiro amor:

“O João de Barro pra ser feliz como eu, certo dia resolveu arranjar uma companheira. No vai-e-vem, com o barro da biquinha ele fez sua casinha lá no galho da paineira. Toda manhã, o pedreiro da floresta cantava fazendo festa pra aquela quem tanto amava. Mas quando ele ia buscar o raminho para construir seu ninho o seu amor lhe enganava. Mas neste mundo o mal feito é descoberto, João de Barro viu de perto sua esperança perdida. Cego de dor, trancou a porta da morada deixando lá a sua amada presa pro resto da vida. Que semelhança entre o nosso fadário, só que eu fiz o contrario do que o João de Barro fez. Nosso Senhor me deu força nessa hora, a ingrata eu pus pra fora, por onde anda eu não sei”.

Diz a letra: “Toda manhã, o pedreiro da floresta cantava fazendo festa pra aquela quem tanto amava”. Isso mesmo, “cantava”. Cantava para, de repente, transmudar um canto de alegria em uma melodia sofrida e angustiada. Assim como aconteceu com o João de Barro, num repente o canto de todo passarinho - e também o cantar humano -, pode se transformar em agonizante lamento. Como ecoa a canção do sofrimento, da traição, da desesperança, da dor? Como ecoa a melodia da tristeza, da lágrima, do sentimento indescritível da perda? A fúnebre melodia da alma. A harmonia desarmonizada de um espírito dilacerado.

E quando assim acontece, a copa da árvore é o mesmo quarto fechado, o galho mais alto que houver é o travesseiro mais molhado que houver. Uma canção ao avesso, pois apenas lamento. Assim como uma Mãe-da-lua, que apenas chora.

Escritor

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