Lição de casa, matemática e a crônica da metade da vida

Parecia simples, mas nem tanto.

Dia desses sentei com minha filha de 7 anos para fazer lição de casa! Ficamos eu e ela uns 40 minutos ali naquele universo de cadernos, lápis, apontador, estojo, borracha e concentração. Ela se concentrou mais do que eu. Eu, por instantes distraído, me peguei pensando noutras coisas nada a ver com os exercícios. Ou será que tinha a ver?

E uma lição nova eu aprendi: é melhor se preocupar se você está na metade do dia, do que se preocupar se está na metade da vida. Explico. SQN.

Quando crianças pedem ajuda com lição de casa é interessante. Paira em nós adultos uma sensação mista de responsabilidade e poder. Eu me senti assim, mas também desafiado: minha tarefa era ajudar minha filha com Matemática! Aumentou a responsabilidade, o desafio (afinal sou de humanas - desculpa clássica) e o suposto poder do adulto de provar que sabe tudo estava prestes a ruir como gelatina ou sorvete derretendo no calor, ou pior, ser desmascarado  como Bruce Wayne sem a roupa do morcego ou Superman sem capa. A matemática sempre foi minha criptonita. Adeus superpoderes de Pai...

Olhei pro caderno de novo: 41 (minha idade, pensei) mais 41 = 82. Foi no exato momento dessa conta de somar e de pequenos exercícios de "tirar a prova" ou "pedir emprestado" que nasceu essa crônica, da metade da vida. E se cada pessoa um determinado dia, de um modo ou de outro, numa mágica, soubesse que está exatamente na metade da vida? Nossa, que viagem na maionese.

 

Para quem ainda está na faixa dos 15 anos, ao saber que vai até os 30: “que maravilha, posso ficar feliz porque vai dar pra fazer faculdade... arrumar um bom emprego, ser bom profissional”.

Para aqueles que estão ali pelos 25 e viverá até uns 50: “que massa, só alegria! Vai dar tempo de ter filhos, viajar com eles! Aí sim, dizem que é a época produtiva, que mais se enriquece!”

Para a turma de 30 que sabe chegará até 60: “opa, que jóia, vou comemorar pois vou arrumar um novo emprego, mudar de área... Vou enfim escrever meu livro, deixar meu legado, vai dar tempo!”

Pro pessoal que entrou pelos 40 e visualiza sua existência até 80: incrível é saber que vou ter tempo de sobra pra conhecer muitos lugares e novos amores, pessoas interessantes!” Eita!

Para os que chegaram em 50 e sabem que a vida vai aos 100: “aí sim, nem acredito, vai dar pra juntar uma grana boa, investir corretamente, fazer tudo como planejado, uma casa nova e ter conforto!”

E alguém que tá beirando 60? Hahaha, estará na fila das pessoas mais velhas do mundo com mais de 120: “notícia melhor não tem, vou compartilhar saberia, aprender muito, ensinar e ser lembrado pelos mais jovens e até virar nome de rua!”

De 70 a 140... vixe! Voltei.

- Pai? Paaaii! Acabei, posso ir brincar?

- Pode, vai.

Tudo isso pra entender aquelas continhas de somar e dividir, quase insignificantes pra mim, mas para minha filha eram grandes descobertas. Pra mim, fórmulas decoradas pra alguma prova ou simulado no Colegial (que nunca fui bem) e para ela, novos mundos, matrix se decodificando. A idiossincrasia infaltil desafiando o adultocentrismo. 

O ser humano chato como eu, irá racionalizar e reduzir essa coisa de "se hoje fosse a exata metade de sua vida" a uma metáfora, um simbolismo. A rotina, a cidade e o stress do trabalho dirão: bobagem pura.

Mas, de modo inequívoco,  o ser humano observador dos detalhes e os olhares atentos dirão: de algo simples, muito se transforma. Aprender a escrever, fazer contas, questionar, ler letras, sílabas, ler o mundo ao redor... que haveria de tão essencial ou de mais importante para aquela menina naquele minuto? Nada, além da lição de casa. E depois, brincar.

Crianças são sinceras. Querem o bem. poder brincar, se sentir tranquilas, no seu tempo, seguras na companhia do afeto. Imaginar seu mundo do seu jeito.

Adultos vez em quando erram. Invertem as prioridades.  Colocam o trivial em segundo plano.  Desvalorizam o que há de simples no dia. Adiam. Procrastinam. Empurram momentos que podem ser mágicos, pra hora seguinte,  pra tarde seguinte, pro semestre que vem, pra próxima vida. Duvida? Provo com três argumentos seus:

Seja sincero, sincera:

Você prefere o risco da decepção ou a segurança da quase-alegria?

Você opta pelo desconhecido que pode ser bacana (ou não), ou escolhe caminhos já testados?

Você faz o que deseja do jeito que dá (meio ao deusdará) ou planeja, junta dinheiro,  projeta, idealiza, se prepara, espera, prorroga... tá vendo?

Bom correr pra dar sentido ao seu dia, seu hoje. Bora!

Bom ouvir uma criança.

Cleyton Borges (Crônicas no Rascunho)
Enviado por Cleyton Borges (Crônicas no Rascunho) em 13/10/2019
Reeditado em 17/10/2019
Código do texto: T6768403
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