CADERNO DE VAZIOS E NADAS

CADERNO DE VAZIOS E NADAS

*Rangel Alves da Costa

Ah estas palavras. Ah estes pensamentos. Seria melhor silenciar, calar de vez, nada escrever ou deixar de alguma forma em registro. Apenas deixar esvoaçar e ir embora.

Mas necessário dizer antes que me tomem como culpado. Eis, então, o que fiz e o que não fiz, com a justa motivação de cada passo dado e cada coisa feita. Ou não.

Não acendi a lamparina do sol nem dei luz ao candeeiro da lua. A única coisa que fiz foi não deixar que as chamas se apagassem em mim.

Não coloquei água na nuvem nem abro a torneira para a chuva cair. A única coisa que fiz foi ter a perseverança de semear até a chegada dos pingos.

Não pintei de amarelo o entardecer nem de avermelhado o por do sol. A única coisa que fiz foi não deixar que as tintas se derramassem senão no meu olhar.

Não Tirei o frio do congelador nem o calor de dentro do forno abrasado. A única coisa que fiz foi deixar que tudo acontecesse perante os ditames da natureza.

Não escrevi versos em flor para um amor nem teci estrofes de dor para um desamor. A única coisa que fiz repassar para o papel o meu instante de alegria ou de sofrimento.

Não achei a cor azul mais bonita nem a cor vermelha a mais bela. A única coisa que eu disse é que todas as cores do mundo deveriam ter os matizes do arco-íris.

Não disse que gosto de café bem quentinho ou que prefiro o café já refrescado na xícara. A única coisa que eu disse é que tenho de ter um cigarro para fumar depois.

Não silenciei na hora nem gritei naquele instante. A única coisa que fiz foi olhar e não acreditar no que via.

Não falei que prefiro milho cozido a milho assado. A única coisa que fiz foi sentar no tamborete e ficar esperando qualquer espiga de milho, que fosse assada ou cozida.

Não fui por que o caminho é sem curvas ou por que a estrada era em linha reta. A única coisa que fiz foi me encorajar para seguir por qualquer percurso, sem nada temer, na força da fé.

Não fiquei enamorado por que o beijo dela era doce ou por que o seu abraço era caloroso e apertado. A única coisa que fiz foi ouvir sua palavra, e por isso enamorei.

Não aceitei um Deus da igreja nem um Deus de outros cultos. A única coisa que fiz foi aceitar um Deus no qual acredito existir e que possui templo sagrado em meu coração.

Não disse que sempre prefiro o sim e sempre ignoro o não. A única coisa que fiz foi ouvir novamente a pergunta para responder sem medo de errar.

Não disse que prefiro mulher nua à mulher vestida de longo. A única coisa que fiz foi dizer que não precisa estar nua ou vestida para ser bela pelo próprio jeito de ser.

Não imaginei que a cultura diferenciava os povos ou que o modo de viver de cada povo pudesse ser afetado pela própria cultura. A única coisa que fiz foi dizer que respeito toda cultura e todo povo.

Não afirmei que a moça à janela deveria levar um lenço à mão ou que suas lágrimas deveriam molhar sua face. A única coisa que fiz foi dizer que cada deve navegar no rio de suas lágrimas.

Não disse que o certo estava certo e o errado estava errado. A única coisa que fiz foi afirmar que o certo e o errado dependem daquele que quer comprovar sua razão.

Não afirmei que durmo por que estou cansado ou por que estou com sono. A única coisa que fiz foi dizer que durmo apenas para sonhar.

Ou talvez eu negue tudo acima negado. Não sei se em qual lado do Eclesiastes eu estava. Talvez no oposto do que deveria ser diferente. Mas assim mesmo. Também não se tenha como verdade o que foi dito.

Nem eu sei quem sou. Eis a verdade,

Escritor

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