O QUE QUE EU SOU? O QUE QUE SOU? SOIS REI!*

Não que o passado tenha sido muito diferente - época de dinastias e nomes de família – mas vivemos em uma sociedade que ainda demanda, admira e utiliza qualificativos: fulano, médico badalado, sicrano advogado famoso do pessoal de colarinho branco, beltrano, arquiteto que fez isto ou aquilo. E por aí vai, até o empreiteiro que construiu a mansão daquele deputado cassado ou o comerciante cuja mulher dá para todo mundo. Portanto, vale para o “bem ou para o mal”. Filho de Fulano, Pai de Beltrano ou Sem pai Nem mãe. Os bem jovens, muitas vezes, sabem apenas que a amiguinha é filha daquele cara que tem uma casa afudê ou um carrão conversível do cacete, tipo assim. O resto é “gente boa”, “legal” e coisa e tal. Quando muito, sabem o prenome do indivíduo. Ou seja, tanto faz, quanto tanto fez, é tudo praticamente igual. Talvez seja melhor. Meu pai, que desfrutou de alguns títulos, depois dos setenta anos, já aposentado, na minha seara não passava de “pai do Conceição” - logo ele, que me transmitiu o sobrenome. Aliás, era o próprio titular em nosso ramo. Ocorre o mesmo entre os colegas de trabalho de meus filhos, sou o pai do Tiago ou da Paula. Não acho bom e nem ruim. Pelo menos, tenho alguns pontos cardeais. Ora, até as belezas da natureza são relativas, cada um com seu gostar. Um antigo motorista da empresa em que atuava, certa feita, com outro diretor e em entidade diferente, teve de ir buscá-lo em Bombinhas, por ordem governamental, pois surgira certo problema. Mais tarde, a meu serviço, indaguei-lhe o que achara da praia tão badalada. Seu Hélio respondeu-me "É bonita, mas ainda sou mais o meu Quintão." Era meados dos anos oitenta. Esta questão de ater-se a uma referência profissional, moral, física, econômica ou familiar está perdendo alcance e consistência com os novos tempos. O risco maior é perdermos a identidade. Na verdade, bom mesmo é ser aquilo que as celebridades mentem que gostariam de voltar a ser: pessoas comuns, fazendo eventualmente a feira, curtindo o aconchego do lar ou no discreto convívio com amigos e parentes em ambientes tradicionais e simples. Seguidamente, ando só de chinelo de dedo e bermuda de brim pelo quarteirão. Nem assaltante sabe se tenho dez ou cem pilas no bolso. Já me habituei a ser chamado de “Seu Zé” ou de “Seu Pedro”. Ou só de Zé. Até de “João” Pedro. Tirante muito pouca gente, todos nós somos, fomos ou seremos anônimos.

*VIVA O GORDO – JÔ SOARES