A FESTA QUE NÃO HOUVE

No rol dos eventos programados e almejados que não aconteceram, tenho uma historieta para incluir. Estava há pouco tempo separado, residindo em meu apartamento de solteiro na Rua Fernando Machado e frequentava a Aliança Francesa no centro de Porto Alegre. Além de retomar a língua – que já aprendera bem – estava presente o objetivo de conhecer pessoas e preencher espaços naqueles tempos mais difíceis de recomeço de vida pessoal e social. Independentemente de idade ou condição, o amor à língua e à civilização francesas era um poderoso elo entre os francófilos. Hoje me dou conta de que era jovem, com quarenta e poucos anos de idade, a despeito de os demais estarem na casa dos vinte. Já tínhamos formado um grupo com certa afinidade, que fizera duas ou três reuniões de confraternização, congregando algo como sete ou oito pessoas, bem dividido entre homens e mulheres. Num dos intervalos de aula, no barzinho da Aliança da João Alfredo, onde se comia um “croque monsieur” no nível parisiense, combinamos um evento festivo na minha casa, na noite de um determinado sábado. A combinação foi numa segunda-feira. Na quarta, a gente confirmou, mas, na sexta-feira, Porto Alegre foi inundada por um daqueles temporais de inverno que assinalam o fim do mundo. Consegui chegar à Aliança, por trabalhar bem perto, mas não houve aula por falta de “quorum”. De qualquer modo, a combinação fora firme. Bom, mandei preparar para o agendado evento, às 20h30min do sábado, vários pratos de sanduíches e frios, picles diversos, muita Coca-Cola, guaraná e as alcoólicas, estas sempre disponíveis no estoque doméstico. Comprei alguns novos CDs ou fitas-cassete, já nem lembro o meio eletrônico da época, e, na maior expectativa, fiquei aguardando a visita dos colegas, que significavam, de certo modo, a minha redenção para um novo mundo e para um novo tempo. Lá pelas 21h00min, passei a temer o pior. Obviamente, não havia celular e não tinha o telefone de ninguém, até pelo fato de que a maioria nem o possuíam. Às dez horas, temperei o som e comecei a comer sozinho alguns sanduíches, que desciam arranhando a goela; no lugar da planejada Cuba Libre, fui de vinho tinto, com rock balada de fundo, uma cena possivelmente surreal e incômoda. Sim, foi um mal-entendido - o tempo e o vento e tudo mais que se possa imaginar, inclusive os tais de “cinqüenta tons de cinza” - mas ainda sinto resquícios de alguma coisa amarga e imprecisa daquela animada festinha que poderia ter sido, mas não foi. Vida nova de celibatário não era, afinal, tão fácil assim. Eu estava engatinhando.