A LOUCA

A LOUCA

*Rangel Alves da Costa

Numa pessoa comum, a feição de uma pessoa comum, normal, pulsando as horas e os dias. Uma vida em plenitude do viver. Um viver em plena normalidade da vida. Amanhando, sonhando, trabalhando, querendo realizar muito mais.

Comedida, não gostava de exageros em nada. Sorria pouco, e pouco também falava. Não gostava de espalhafatos nem de se mostrar além de sua simplicidade. Roupa simples, sem luxos, na decência e no gosto de apenas estar se sentindo bem consigo mesmo.

Um dia cantou alto no banheiro. Nunca fazia assim. Depois deixou o chuveiro ligado após o término do banho, e nunca fazia assim. Mas tudo bem, pois quando percebeu o erro logo retornou para reparar. Mas novamente agiu de forma inesperada: gritou como se estivesse enraivecida.

Não havia motivo algum para agir assim, para gritar daquela forma, até mesmo por que estava sozinha no quarto. Não percebeu o erro, pois sequer se deu conta de ter agido de modo estranho demais. Saiu do quarto como se nada tivesse acontecido. Falou com os parentes, sentou à mesa, mostrou-se em plena normalidade.

Ela nem percebia, logicamente que não, mas algumas mudanças iam sendo percebidas por seus amigos e familiares. Ora, uma pessoa tão cuidadosa não passaria a ter os cabelos tão descuidados como os dela. Parecia não lavar, não pentear, não ter nenhum asseio. Seu rosto parecia outro com aquela moldura disforme, assanhada, parecendo suja.

De repente alguém sentiu como se um odor repulsivo quando ela passou por perto. Ao levantar um braço, então surgiu a certeza de que ela havia se esquecido de usar desodorante. Cheiro forte, como se já desde alguns dias nenhum protetor das axilas houvesse sido usado. Suas roupas também já não mereciam elogios. Roupas amassadas, desconjuntadas no corpo, demasiadamente estranhas numa pessoa que primava na vestimenta.

O que estaria acontecendo? O estopim veio quando ela abriu a porta da chefia e gritou que fosse tomar no... E fez mais: a papelada que tinha à mão foi toda jogada adiante. Todos se assustaram ante o ocorrido, correndo para junto dela e perguntando o que estava acontecendo. Nada ela respondeu. Apenas se lançou ao chão e, de cócoras e com as mãos à cabeça, chorou.

A gerência decidiu que suas férias teriam que ser antecipadas, pois aquele acontecido só poderia ser motivado pelo cansaço e pela exaustão. Quando, acompanhada pelas colegas, saiu pela porta, sequer imaginava que jamais colocaria os seus pés ali. Não porque quisesse, não por desejo próprio, como alguém que simplesmente abandona um emprego, mas por outras circunstâncias da vida.

Ao chegar a casa, a primeira coisa que fez foi entrar no quarto e espalhar todas as suas roupas. Arremessou todos os perfumes na parede, desgrenhou lençóis, e depois se jogou num canto para chorar. Acordou noutro quarto, ladeada pelos pais, e a pergunta que ouviu foi sobre o que estava acontecendo. Nada respondeu. Não sabia o que estava acontecendo.

Seus olhos logo passaram a ter um brilho diferente. Suas ações passaram a ser temerosas a todos os familiares. Evitavam a todo custo que ela se aproximasse de facas ou outros objetos que pudessem ser utilizados como armas. Já não se alimentava normalmente e, na maioria das vezes, arremessava o prato pela janela. Mantinha-se silenciosa, mas de repente esbravejava contra todos.

O médico não teve dúvidas: aquilo era caso para psiquiatra, pois certamente a presença de todos os sintomas de loucura. O que disse o psiquiatra? “Ela não tem nada de anormal, pois todos nós somos assim veladamente. Mas como se mostra diferente de nós, então que seja tida como louca. E temo que ela se recupere e passe a fingir a normalidade que há em nós!”.

Escritor

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