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Por Leont Etiel
 
Nos hesitantes passos em direção ao incerto, a transmutação de uma operação alquímica que perpassa as enigmáticas sombras refletidas no espelho do pensamento. O que será, o que virá, o que há de ser? Imagina-se o desconhecido, quase conhecendo-o, mas a inadmissão de que quase se conhece faz parte de um jogo de cartas ocultas de um baralho traçado pela dúvida.
Por outras sendas, Camus expressou a questão em outros termos: se a vida vale a pena ser vivida. E aí, diante de novas situações, a interrogação: vale a pena? Aos existencialistas e romântico-surrealistas, não caberá perder muito tempo com elucubrações dessa natureza. Mas se, seja como for, as dúvidas persistem, tu deves então procurar limpar os pulmões e o cérebro. Pegues o carro e deambules pelo noturno da cidade. Pares na praia, observes as estrelas e fiques a imaginar o longo caminho que levaram as pequenas moléculas de hidrogênio, ascendendo a escala da complexidade, até, por fim, atingir o nível de organização de uma estrutura igual a tua... e tu, difícil acreditar, convenhamos, ainda pensando se a vida vale a pena ser vivida?!
Como diria Angelus, o Novus, abisma-te em nostalgia. Imagines a hipótese da teoria do Universo fechado, com milhares e milhares de bilhões de galáxias divergindo mutuamente até um certo ponto crítico, de onde retrocedem de novo umas sobre as outras, espatifando-se finalmente numa imensa bola de fogo – que, por sua vez, iniciará um outro ciclo de expansão do tempo e do espaço. Irmana-te, pois, com o Cosmos e respires deste êxtase panteísta que já era o de Francisco de Assis, 'o santo', ou de Giordano Bruno, o mártir pagão. E sejas existencialista. Bebas o cálice da vida (nas mais diversas tonalidades, de brancos a tintos) até o último trago.
Ainda persistem dúvidas? Sentes falta de uma “certeza absoluta”, de um dogma, de uma “sombra metafísica”, para conferir sentido à vida? Assim não, mil vezes não! Diferente do que se pode inferir de Emil Cioran, não é necessária uma ilusão dogmática para conferir intensidade à vida, sem a qual ela, a vida, definharia numa espécie de anoerexia cética em decorrência do excesso de reflexão crítica.
Digamos como, na verdade, as coisas são. A ideia de liberdade sempre “perseguiu” a humanidade, e, no fundo, a humanidade sempre a temeu na sua intensidade, e assim dela sempre procurou escapar, fugindo para abrigar-se em discursos onde a palavra liberdade é repisada apenas como retórica, para fins outros que não a sua vivência genuína e integral. Teme-se, por exemplo, assumir que a existência precede a essência, com todas as consequências que daí decorrem. Admita-se que os seres humanos precisam de regras para a (con)vivência em sociedade, e portanto abone-se a máxima da ética kantiana segundo a qual deve-se proceder sempre de tal modo que, em cada momento, tu possas desejar que a tua conduta se erija em lei universal. Trata-se de uma definição de um procedimento moral. Mas não se deve esquecer que uma definição não constitui ciência.
Isto posto, é de se dizer que o valor fundamental não é a “mumificação” do conjunto normativo que rege a vida social. O valor fundamental, numa sociedade laicizada e liberta de toda ‘metafísica finalista’, é a própria vida como irrupção desordenada e rebelde, criadora do seu próprio sentido. A vida que, enfim, se vive apenas uma vez em face da morte. O perecer. Crepúsculo dolorido a separar o que já não se é. Tudo será então terra, como escreveu Potiguar Matos. A terra úmida ou seca, morna ou fria; resta a terra, escorrendo, terra que se mistura à terra, numa espécie de sinfonia eterna, que vem da origem dos tempos e se perde na noite da consumação das galáxias. Terra que, ao fim, serás tu.
O caminho então não há de ser outro. Ir onde o tempo e o vento te levam – às curvas do tempo presente, o tempo em que estás a viver. Porque o passado já passou e do futuro tu não tens notícias. Nas curvas dessa temporalidade de agora, hás de te deparar com momentos de alegria, de prazer, de desânimo, de enternecimento e melancolia. Mas isto significará exatamente que estás a viver a vida em intensidade, experimentando todas as suas dimensões. Pois só assim são encontrados os momentos marcantes que se abrigam nas sutilezas de uma espécie de alegoria alquímica reflexa do sentido da existência em sua efetivação como luz em estado original.