Fala você
Ele estava nervoso. Era sua estreia no consultório. Pela primeira vez, após anos de estudo, ele iria atender um cliente sozinho. Os seus nervos estavam à flor da pele. Ele tentou disfarçar a batida acelerada do seu coração e a secura na garganta, ao cruzar a entrada do consultório. A sua passagem pela recepção foi tão rápida que a secretária quase não notou que, apesar do frio, ele estava suando. Quanto alívio não terá sentido ao entrar em sua sala e se sentar em sua cadeira? Ali era o seu ambiente e, com certeza, estaria protegido.
O Interfone toca e quebra aquela tensão inicial. E, faz com que ele volte para a realidade. Do aparelho, sai uma voz doce dizendo que sua primeira cliente acabara de chegar. Ele, pigarreando, como quem limpa a voz, pede para deixá-la entrar. A porta se abre e adentra o recinto uma jovem senhora morena e esbelta de olhos tristes e parados. Ele aponta para a cadeira de frente a sua e pede para que a senhora se sente. Ela obedece e fixa seu olhar sombrio no homem. Ele pergunta: “Em que posso ser útil a senhora?” Ela responde: “Fala você.” Ele fica meio atordoado, sem saber o que dizer, mas insiste: “Então... em que posso ajudar a senhora?” Ela, mais uma vez, responde: “Fala você.” A situação começa ficar constrangedora. Ele não sabe mais o que dizer nem o que pensar. E fala consigo mesmo: “Será que esta senhora se enganou de porta e está achando que sou um adivinho?” Ele começa a se irritar e, quase perdendo a cabeça, diz: “Minha senhora...” E, antes que termine a frase, ela o interrompe dizendo: “Fala: Você”. Neste momento, a ficha do jovem psicólogo cai e ele entende que está acontecendo, tão somente, uma falha de comunicação.
O recém graduado sorri internamente, pois temia parecer desrespeitoso com a senhora, e conclui com seus botões: “Se, nos dias de hoje, a educação está fora de moda, pelo menos, ela não perdeu a sua graça.” E, mais descontraído, deu prosseguimento a sua primeira consulta.