CANÁRIO, LOCAL DA MORTE E DO SEPULTAMENTO DO CANGACEIRO
CANÁRIO, LOCAL DA MORTE E DO SEPULTAMENTO DO CANGACEIRO
*Rangel Alves da Costa
Em 2018, como parte da programação do Cariri Cangaço Poço Redondo, seis marcos históricos foram construídos ao longo das margens da Estrada de Curralinho (atual Estrada Histórica Antônio Conselheiro), sendo estes o marco da nova denominação da estrada e os marcos de Canário, da Cruz dos Soldados, de Zé de Julião, de Antônio Canela e da Igreja do Conselheiro (Igreja Nossa de Nossa Senhora da Conceição de Curralinho).
Como bem assinalado na ocasião da inauguração, o Marco Histórico de Canário não fora construído no exato local de seu assassinato, no ano de 38, supostamente à traição pelo também cangaceiro Penedinho (Teodomiro dos Santos), e após a Chacina de Angico, mas distando cerca de 300 metros do local da tragédia. E assim pelo fato de que após a cerca há uma propriedade particular, denominada Fazenda Coruripe, sob o comando dos herdeiros de Seu Odon, e a construção do marco dentro da propriedade demandaria a aceitação de todos, o que certamente não ocorreria.
Contudo, ao amanhecer deste último domingo 18 de agosto, exatamente um dos herdeiros, o amigo Ailton, até lá se dirigiu em minha companhia para fazer doação das peças de uma antiga casa de farinha, logo reclamou da construção do marco fora da cerca, afirmando que o correto seria sua construção no local exato da morte do cangaceiro. Expliquei os motivos - os quais foram aceitos -, mas prontamente pedi que seguisse comigo até o local onde Penedinho atirou e matou Canário (Bernardino Rocha), já que ficava nas proximidades da velha casa de farinha e da antiga sede da fazenda.
Fazenda esta que no passado já havia sido até mesmo de Zé de Julião, pois recebida como parte da vultosa herança deixada por seu pai Julião do Nascimento. Pois bem, seguimos pelas veredas. Paisagem deslumbrante, tipicamente sertaneja, agora tomada pelo verdor das últimas chuvas, mas que no passado cangaceiro certamente se mostrava como verdadeiro labirinto de difícil penetração. Mais adiante, logo apontou Ailton: “Foi ali naqueles lajedos!”.
Com efeito, após a mata há uma formação mais funda, parecendo um pequeno leito de riacho, onde de um lado se avista alguns lajedos, ou placas pedregosas que divisam com o terreno abaixo. Logo adiante um tanque entre pedras de construção mais recente, mas que no passado servia como fonte de água para os sertanejos que por ali passassem. Então, divisando o contexto da paisagem, logo avistei o cenário preferido pelos cangaceiros nas suas estadias após o cansaço das lutas: um local pedregoso, cercado por vegetação fechada, onde houvesse água pelos arredores e meios de proteção contra os repentinos ataques.
Ali no Coruripe eu estava perante este cenário perfeito. E certamente Canário, na companhia de seu acompanhante Penedinho, imaginava estar protegido do ataque de Zé Rufino e outros que continuavam no encalço dos cangaceiros após a morte de Lampião e parte de seu bando. Protegido estava, mas não da traição, pois foi seu companheiro Penedinho quem lhe alvejou pelas costas. Alguns afirmam acerca de uma punhalada desferida, mas não vejo como acertada tal hipótese. Ante o valente Canário, certamente ninguém iria atacá-lo de punhal tendo à mão uma arma. O dia era 6 de setembro de 1938.
Naqueles lajedos o companheiro de Adília (que já não estava com ele, pois já na região de Propriá para se entregar) tombava sem vida. Após a traição e morte, como macabro troféu, Penedinho arrancou a cabeça de Canário e seguiu até Serra Negra, quartel-general de Zé Rufino, na tentativa de salvar sua própria cabeça. Prontamente o temido comandante se dirigiu até o local do assassinato para saber se naqueles arredores havia dinheiro e ouro escondidos pelo cangaceiro morto.
Por fim, o restante de seu corpo foi enterrado nos arredores, debaixo de um umbuzeiro. Segundo Ailton, não faz muito tempo que ali, debaixo da velha árvore, um pequeno relevo de terra assinalava o local da sepultura. E se por ali houvesse alguma escavação, certamente que logo surgiria alguma ossada do famoso cangaceiro. Mas deixai que os mortos descansem em paz.
Escritor
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