O deserto de cada um

Por Leont Etiel

Agora o que sou é o labirinto presente daquilo que fui. Recordo os fios da credulidade que teciam as coisas de cada manhã. A memória quase me transporta para um cenário que não posso vivenciá-lo senão pelas frestas das esquinas dos vislumbres. Está tudo tão distante. E, ao mesmo tempo, tão presente.

Nesta fuga de mim, verti lágrimas da incompreensão, espremidas, quase imperceptíveis. Disfarçadas pelo ato de apertar os olhos. Nunca usei lenço, e assim as enxugava com a mão direita, enquanto a esquerda suspendia os óculos. Ocupar as duas mãos é forma de tentar se livrar da angústia – ou pelo menos disfarçá-la. Mas a fuga do que nos acompanha é quase inútil. Está tudo ali, à espreita, para, numa primeira oportunidade, pular das camadas ocultas do pensamento, fazendo balançar as paredes da memória.

Neste autoexílio mental, as queixas que tenho a fazer dizem respeito apenas a mim. Talvez a solidão deste deserto apenas infirme o que, à partida, as metafísicas, com a ideia de um princípio primeiro, procuram propagar. A crença num postulado teleológico a brandir a bondade humana. Do inverso, desde sempre, já se desconfiava. Não tenho contas a fazer dos fatos pretéritos. Eles fazem as suas contas por si em mim.

E cada vez que escuto o balbuciar do vento nas areias deste deserto, o que faço é relembrar daqueles fios que outrora me davam (alguma) certeza. Diferente em tudo deste presente momento instante, de vida comovida e coração frágil. Agora o que sou é o labirinto do que eu fui. Ainda ressoa em meus ouvidos os estilhaços do espelho liso da impostura sendo quebrado pelo grito lúcido e solitário da razão.

Olho distante para este retiro. É tudo tão cinzento! Não consigo enxergar os fios de hoje. Falta provavelmente credulidade para as coisas das manhãs que agora se levantam. Mover-se no vazio, é o que se apresenta. Está tudo aqui, porém, o ontem e o hoje, a memória que se carrega, fazendo curvas para se desviar do que, de chofre, surge, para dizer que não se foge de si próprio. A solidão que nos acolhe e que nos devolve. Cada um tem o seu deserto. A questão é entender o eco dos seus ventos.

Leont Etiel
Enviado por Leont Etiel em 17/08/2019
Reeditado em 17/08/2019
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