Pergunte ao pó
O Alan esteve aqui em casa ontem. Pelo menos dois finais de semana do mês ele aparece por aqui. chegou com a cara no chão. O cara parecia estar se sentindo muito mal. “Parecia” é modo de dizer, um eufemismo, um péssimo eufemismo nesse caso. Na verdade, ele realmente se encontrava numa situação de causar pena até nos mais insensíveis.
Como sempre, primeiro ele me pediu algo para beber, chá, substituindo o café, um dos seus tantos vícios, e que é mais de seu costume tomar quando vem pra cá. Em seguida, pediu pão. Lhe servi o chá com o pão. Eu sou, na medida do possível, um cara legal, sempre quando posso, gosto de fazê-lo se sentir um pouco melhor. Dou-lhe o que comer, deixo-o tomar banho, escutar músicas no notebook pela internet, ouço suas histórias sobre os livros que anda “lendo”, os novos sons, alguma nova banda, por onde esteve nos últimos dias, o que andou aprontando... Mesmo que, boa parte das suas visitas sejam realmente para tirar algum proveito do “trouxão aqui”, eu relevo.
Bebeu o chá com dois pães com manteiga dizendo que era para não tomar os comprimidos de estomago vazio. E foram nada mais nada menos, do que seis comprimidos que o vi ingerindo de uma só vez. Comprimido para controlar a depressão, a esquizofrenia, a abstinência... e a porra toda. E isso, ele faz todo santo dia, três a quatro vezes ao dia, sem falar nos porres ocasionais, e claro, no maldito Pó. Aliás a nossa conversa dessa vez girou em torno desse assunto. Ele, o Alan, nos últimos dias não havia conseguido controlar a abstinência por cocaína. Contou que tinha gastado todo o dinheiro, ou melhor, o pouco dinheiro que recebe, e mais algum que conseguiu em trambiques, comprando a droga.
Em todo caso, com a ânsia pela Farinha ocupando sua cabeça, havia deixado a ânsia em se cortar, escalavrar profundamente seus próprios braços.