APENAS SER O QUE SOU

APENAS SER O QUE SOU

*Rangel Alves da Costa

Eu bem que poderia estar pisando no asfalto, passeando pelos shoppings ou pelos calçadões, mas eu estou aqui.

Eu bem que poderia ser adorador do terno e da gravata, devoto do anel no dedo, abnegado ao termo “doutor”, mas eu estou aqui do jeito que você é e como você está.

Eu bem que poderia chegar, fazer o que eu tenho a fazer, e depois simplesmente partir, mas eu vou onde você está.

Eu bem que poderia simplesmente passar por você, fazer que nem lhe reconheço mais e seguir adiante, mas eu lhe conheço sim, falo sim, abraço sim.

Eu bem que poderia caminhar pelas rodas de um carro, avistar o mundo atrás de um vidro fumê, sequer buzinar perante sua presença, mas eu vou caminhando e sorridente até onde você estiver.

Eu bem que poderia não me esforçar para lembrar o seu nome, mas sinto necessidade de lhe chamar como é conhecido e relembrar sobre tudo o que sei.

Eu bem que poderia não ir além do centro da cidade, não adentrar em ruelas, não visitar o chão batido, não avistar a pobreza, mas de nada disso eu sou distante.

Eu bem que poderia dizer além do que sou, subir estrelas em pedestais, mas bem sei que à escada sobe-se através do chão.

Eu bem que poderia ser egoísta, boçal, demagogo, e me adornar de ilusões para simplesmente querer ser mais que o mundo, mas todo dourado enfeia minha cor de couro e minha tez de areia.

Eu bem que poderia não bater em sua porta, não levar sorriso no olhar nem palavra boa comigo, mas eu sei o quanto deseja e precisa do olhar e da palavra.

Eu bem que poderia não aceitar seu café quentinho, não beber água em caneca, não querer sentar em sua mesa, mas agindo assim eu seria muito diferente do que realmente sou.

Eu bem que poderia não ser como sou e forjar ser outro, mas outro eu não sei ser. Eu bem que poderia negar minhas origens, omitir minhas raízes, ocultar de onde vem e por onde escorre o meu sangue, mas meu orgulho é ser sertanejo.

Eu bem que poderia aprender a dizer sempre não, mas não sei, mas não sei fazer assim, e tudo faço para dizer sempre sim.

Eu bem que poderia não estender minha mão à mão calejada de luta, fingir que não conheço o de roupa rasgada ou de pés descalço, fazer de conta que não é do meu mundo aquele mais desvalido, mas eu já não seria eu, e em mim eu já não estaria.

Eu bem que poderia ser diferente. Mas eu sou apenas eu. E um igual a você.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com