Palavra Solta – nas águas de Deus

Palavra Solta – nas águas de Deus

*Rangel Alves da Costa

Dádiva sagrada que se repete. Mais uma vez amanheceu chovendo em Poço Redondo e em todo o sertão sergipano. As chuvaradas são incessantes, as águas são muitas, enchentes, alagamentos e transbordamentos estão por todo lugar. Terra farta, gorda, molhada, esperança renovada, assim diz o sertanejo cheio de promessas a serem cumpridas com os santos. Anoiteceu chovendo e chovendo amanheceu, sempre com um sereno acompanhado de uma chuva mais grossa. As nuvens e os horizontes prometem mais. Mas meu amigo João de Laura (além de exímio caçador também um profeta das chuvas) já havia previsto a transformação do tempo. Segundo ele, o passarinho já havia descido o seu ninho para junto das locas de pedras, o cágado já se esforçava para sair do chão, o jeito de a folha seca passar pelos ares já dizia que ia chover. E não deu outra. A chuva veio, e muita, graças a Deus. Tanto que João de Laura sequer pôde passar andando pela passagem molhada do Riacho Jacaré, entre o Alto de João Paulo e a cidade. Teve que caminhar um pouco mais para chegar à feira com seu saco às costas e seu embornal de segredos matutos e vastidão de sabedoria. E ninguém passa mesmo pela passagem molhada, eis que o Jacaré está totalmente tomado de águas e correntezas, num barulhar que mais parece um coro de anjos sertanejos. E nesta manhã de sexta-feira, logo antes das seis da manhã, eu já estava nas beiradas do rio que passa pela minha aldeia. Saí com chuvisco, mas em pouco instante já estava completamente molhado. Ainda assim a gratidão de avistar o maravilhamento das águas tantas passando adiante. O Riacho Jacaré está bonito, está lindo demais. E numa prece ali mesmo feita, eu não me esqueci de dizer: “Bem-aventurada a natureza que, mesmo aviltada pela insensatez humana, jamais se esquece de amparar ao que Deus criou para subsistir: a terra, os campos, as plantas, as águas, as flores, os frutos...”.

Escritor

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