POR QUE ACREDITO EM LOBISOMEM?

Não, não vou plagiar a obra do Serafim Machado. Só aproveitar o mote para constatar que certas coisas que a gente fazia ou usava, lugares que freqüentava, parecem hoje de outro planeta ou extraídos de livro assombroso de história antiga, quando são fatos ainda bastante vivos em nossa recordação. Ir a Mcdonalds, ao Barranco, Gambrinus, dentro de anos, poderá ser um vazio ou enorme interrogação na cabeça de jovens. Comer um “passaporte para o inferno” na carrocinha do Zé, lá na esquina do Fedor (Bar do Serafim) ou tirar um retrato com a namorada num “lambe-lambe” da Praça XV equivale, para a minha geração, a lembranças do Cassino da Urca no Rio de Janeiro ou do Clube dos Caçadores em Porto Alegre, para a geração dos Maiores. Falar em American Boate, Dragão Verde, Mônica, Galeto do Marreta, Sherazade, Bond’Eu, Van GRogh, Treviso, Avião, Spaguettilândia, Mateus ou Rihan é, atualmente, quase como fazer referência a centros lúdicos de taba guarani do Brasil pré-cabraliano. Ir para a praia antes da Free-Way, num Fusca 66, telefonar para a namorada residente na Vila Assunção por intermédio de mesa telefônica da CRT pode parecer piada. “Smoking”, colete, faixa na cintura, gravata borboleta e sapatos pretos de verniz lembram apenas filme antigo, assim como utilizar piteira ou fumar cachimbo em restaurante ou boate. Cartão de visita ou de apresentação, papel carbono, mimeógrafo, mata-borrão, gumex ou glostora no cabelo, disco 45 rotações por minuto, perucas para as mulheres, balsas para atravessar os rios, galochas de borracha para proteger os sapatos, não passam de velhas histórias, fotografias de museu ou páginas de literatura nostálgica. Pois vou dizer claramente: para mim, foi praticamente ontem e nem sou tão velho assim. Por outro lado, já me acostumei a ver os jovens de terno e tênis, ostentando “cabeleira Neymar” de todas as cores, com tatuagens até na testa. E nem me causa espanto a rejeição neurótica ao tabaco ao lado da crescente tolerância à maconha. Comunicação virtual, digital, imediata, voto eletrônico, movimentação financeira via “home banking” - em contraste com processos judiciais que se arrastam por anos, décadas, como se vivêssemos sob as Ordenações da Metrópole - muita coisa impressiona, assusta. Então, pelo conjunto da obra, acreditar em lobisomem é o de menos.