ZÉ LEOBINO E OS LADRÕES DE ORIGENS
ZÉ LEOBINO E OS LADRÕES DE ORIGENS
*Rangel Alves da Costa
Vivemos cercados de espertalhões, eis a verdade. Gente dizendo que a Gruta de Angico pertence a Piranhas, gente dizendo que a mesma gruta está fincada nas terras de Canindé de São Francisco. Gente dizendo que o forró do Sávio é do outro lado rio e também vendendo os grupos de xaxado como se fossem do lado alagoano. Já ouvi alguém falando que muito filme rodando em Poço Redondo havia sido filmado do lado de lá. Assim mesmo, na cara de pau. Gente se apossando, “e na tora”, como se diz, do que é de Poço Redondo. Até com gente fazem assim. Pelo fato de um velho vaqueiro, poeta, contador de histórias, incentivador de cavalhadas e cultivador de muitas outras tradições culturais, haver se tornado verdadeiro símbolo sertanejo, então tentaram até mudar seu berço de nascimento. Logicamente que foi Canindé que deu maior visibilidade a José Ventura Lins, o Zé Leobino, hoje já passado dos 95 anos, e o tornou nacionalmente conhecido (há até uma estátua em sua homenagem, ao lado de Lampião e Maria Bonita, e simbolizando “O Vaqueiro Nacional”), mas o homem nasceu e se fez vaqueiro em Poço Redondo. Sua família é poço-redondense, alguns de seus filhos estão por aqui. Após sair de suas terras de origem e ir ser vaqueiro na Fazenda Cuiabá, então por lá foi ficando e ficando. Mas é um autêntico filho de Poço Redondo.
A verdade é que há ladrões de origens por todo lugar. Um integrante de um grupo de xaxado de Poço Redondo, mas que se apresenta em Piranhas, afirmou que já pediram até que ele dissesse que eram da cidade alagoana. Ele se negou a levar adiante tal mentira, vez que sabedor que se assim agisse estaria desvalorizando a cultura de se berço de nascimento e alavancando outra. O caso de Zé Leobino é até compreensível, pois já desde muito tempo que o mesmo reside pelas bandas de Canindé, ainda que grande parte de sua família continue em Poço Redondo. Contudo, outras situações existem que são realmente vergonhosas. Em muita propaganda turística há até inversões geográficas. A Gruta do Angico, mesmo ficando do lado de cá do Rio São Francisco, dentro do território de Poço Redondo, ainda assim é vendido como destino turístico pertencente ao outro lado do rio, ou seja, a Piranhas. Não se contentam em explorar como se fosse seu o local onde em 1938 Lampião e mais dez cangaceiros foram mortos, simplesmente fazem com que a geografia mude a localidade dos marcos históricos. É como se, num passe de mágica, transportassem a gruta para o outro lado. E assim acontece em muitas situações. Mas também com a permissão de Poço Redondo. Tudo contextualizado naquele velho exemplo: se você não cuida do pomar no seu quintal, não deve se espantar se o vizinho pula a cerca e vai colher os seus frutos.
Os ladrões de origens só se afastam quando os verdadeiros donos aparecem. Se Poço Redondo deixa tudo pra lá, não cuida de sua história, de sua memória nem de suas tradições, então tem que suportar as usurpações que são feitas. E não é só dizendo que isso aqui é meu, que não meta a mão, mas através de ações que mostrem que realmente cuida e preserva do que possui.
Escritor
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