“OUÇA AQUI, SEU MOÇO!”

“OUÇA AQUI, SEU MOÇO!”

*Rangel Alves da Costa

“Sou de mintira não, seu moço. Na verdade verdadera, pago dobrado e num quero troco. Só quem vive sabe o que é viver, só quem sofre sabe o que é sofrer. Oiá nos óio num é certeza de avistar o estambo. Oiá pa cara num é saber o que o cabra sente pru dento. Munta gente se engana pru mode oiá sem preceber o que tá na verdade. Munta gente pensa que ter uma casa é ter tudo, que ter um prato na mesa é ter tudo, que ter saúde é ter tudo. Mai num é assim não, seu moço. Munta coisa tomem é munto ou mai importante. O respeito, a consideração, o jeito que trata a gente, faiz munta diferença. Arguns, é verdade, inté trata nóis cuma se fosse iguar. E nóis é mermo tudo iguar a todo mundo. Mai outos num pensa assim não. Pruque é pobe entonce num presta. Pruque num tem carro entonce é sem valia. Pruque num anda de roupa nova nem bonita entonce num pode nem tá no meio deles. É cuma se a gente fosse bicho ruim, imprestave. Nóis é pa viver numa vida mió. Mais num vive pru causa desse oiá atravessado na gente. Se é pobe deixa pa lá, pa se virar cuma puder, pa morrer cuma quiser. Tarvez trate mió o bicho do que a gente. Ora, o bicho é dinheiro, é valor, é riqueza. E nóis, nóis o que é? Nóis é pa vive cum pé na cova, assim eles pensa e quer. Só pode ser assim. Nada é mai esquecido que nóis. Nóis num tem outa serventia a não ser servir. Prantá pa encher a barriga deles, servir de escravo pa eles, fazer tudo o que eles mandar. E adespois abaixar a cabeça dizeno que tá bom. Mai num tá bom não.”

“Sim, sinhô. Pru mode dizê tem de tudo. Arrebenta e esquarteja pru dento, mai num se deve negá não. Pru que negá se tudo num dexa mentí? Sim, seu moço, a gente vive num mundo de seca triste sem fim. Num há um só dia no sertão adonde a seca triste num caia pru riba de nóis. A seca triste tomem no tanque cheio, na boneca de mio. Um mundo nublado demai merma sem nuve lá em riba. Oiá da maiada e só avistá desalento. Um bicho berra, uma galinha cisca. Quano morre um entonce a gente chora a vida intera. Tudo aqui é como um luto sem fim. O sertanejo inté parece feito com lágrima nos óio e maresia de suó. A gente tem alegria sim, munto contentamento tomem. Mai o carcará e o arubu só farta querê pinicá o tiquinho de contentamento de nóis. Entonce, pru mode dizê, num é só a seca da farta de chuva que é triste não. Há uma seca que nunca acaba. Oi, seu moço, pa mode falá em seca num é só fala em farta de parma, em pasto derreteno no fogo, em tanque no barro duro, em bicho no couro e osso ou já caído pros carnicento. Não. É munto mais. Aquerdite, seu moço, que num há seca mai triste que a seca da desvalia, da percisão, da necessidade. Munta gente pensa que seca é só farta de chuvarada, de comida pro bicho e gente e a secura do tanque. Oiano direito, há seca maió que o esquecimento, que o fazê de conta que a seuventia do povo é só na hora de votá? Há seca mai danada que fazê de conta que nem ixiste o povo pobe que vive no mato? É a seca do abondono, sim sinhô. Tem uma seca chamada umiação que é a que mai dói. Num se devia umiá ninguém não, poi todo mundo fio de Deus. Mai o que mai tem é umiação. O povo da cidade oia pa gente cuma se fosse do outo mundo. Uma mão num é istendida e nem um bom dia é dado. Tudo isso é umiação. Pur isso que mermo na chuva grande a seca continua. Pur isso que mermo cum a pranta nasceno e munta água no barrero, num deixa de ter seca não. A seca é essa merma que eu dixe. É a seca de um sertão pareceno de porta fechada pros da cidade. Ninguém vive nossa vida pa sabê cuma ié. Só a gente sabe o que passa e o que sente. Mai todo mundo iguar a todo mundo. Omeno ansim devia de ser, num é? Entonce a seca maió é essa, a seca do fazê de conta que a gente num ixiste. Mai num há vida mió do que essa não, seu moço. Da porta da frente adento tudo que a gente percisa. Tem candiero, tem pote e muringa, tem fogo de lenha, tem panela de barro e arupemba. E tem munto mai. A gente tem a filicidade e o gostá de vivê desse jeito. A gente sofre com a seca da farta de chuva, mai sofre munto mais cum os outo tipo de seca. Mai que ansim seja. Na grandeza de Deus, do meu Padim Pade Ciço e Frei Damião, a gente vai levano a vida. Tudo cuma rosaro de fé, pelas mão de Nosso Sinhô!”

Escritor

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