O RELÓGIO IMPLACÁVEL DO TEMPO
Se a vida humana perde energia e, seguidamente, relevância ao influxo implacável do tempo, muito mais perdem os bens em valor e utilidade. Estamos na reta final de venda do apartamento da família Conceição, habitado desde 1965 e adquirido na planta, com muito esforço pelos velhos pais. Era um dos mais modernos edifícios da cidade, em zona central nobre, muito amplo, inclusive com dependência de empregada. No 23° do Edifício Jaguaribe (onde, no térreo, por muitos anos funcionou o Cinema São João), dispõe de vista privilegiada de vários pontos da cidade, dependendo da peça em que se estiver. Não sei dizer quanto, mas, à época, foi investimento bastante expressivo, fruto de muitos anos de trabalho abnegado do pai. Um sonho. Mas, agora, fechado há mais de ano, tanto tempo transcorrido de construção e com os naturais desgastes, passou a ser apenas um incômodo aos quatro irmãos sobreviventes, notadamente após o falecimento da irmã, Ana Maria: IPTU e condomínio elevados e o desafio de reformas mais profundas e onerosas. Ademais, o centro da cidade, como todos sabem, não é mais um cartão postal. Tudo muda. Nem como bom investimento nos serve, já que a economia patina, não existe liquidez no mercado e nós, os proprietários, não temos mais idade para aguardar eventuais dias melhores. Vivemos um tempo de muitas demandas, de caráter imediato. Portanto, a tristeza pela perda desta importante raiz é mitigada pelo atingimento de meta que se revelou possível e adequada, nas circunstâncias. Isto deve acontecer com vários amigos, que, não raro, concluem certos negócios com a alma fragmentada. Afinal, nosso compromisso é com o dia corrente e com o amanhã, o passado a gente cultiva na memória. Quem vive determinado lapso maior de tempo, sobretudo nas cidades, precisa adaptar-se à dinâmica existencial. Se não o faz é de teimoso e o preço a pagar não é pequeno. O tempo não pára.