ASSIM ESCREVO

ASSIM ESCREVO

*Rangel Alves da Costa

Escrevo como se orando estivesse. Acendo uma vela no pensamento e vou passando as contas do rosário no meu olhar. Mas nem tudo que escrevo é sagrado. Sou apenas humano!

Escrevo como se sentisse a necessidade de subir a montanha e de lá, do lato mais alto que houver, então gritar em brados o silêncio aprisionado em mim. Mas nunca vou além daqui!

Escrevo como se faltasse somente a escrita do instante para terminar um grande livro. Mas um livro que nunca acaba, pois sempre retorno ao ponto inicial do que já escrevi. Sempre assim!

Escrevo como na pressa de não permitir que o café esfrie de vez. Mas não há café, não há nada. Há, sim, o medo de que não haja café sempre quentinho para me acompanhar na escrita. Imaginário café!

Escrevo como se precisasse calar o barulho do grilo, como se necessitasse afastar o verme rastejante, como se desejasse destruir o monstro escondido em qualquer lugar. Ou eu ou eles. E nunca sei quem vence!

Escrevo como se as palavras estivessem penduradas em varal e a ventania se aproximando. Preciso recolher, preciso acolher, preciso proteger e dar vida ao que desejo escrever.

Escrevo como se tivesse perante uma ventania, uma tempestade, um vendaval. Tudo tão solto e tão disperso, tudo tão entregue à sorte doa caso. As palavras não podem ficar à mercê dos infortúnios!

Escrevo como se somente algumas palavras ainda me restassem. Das muitas que eu já tive, do muito que eu já escrevi, de repente me vejo escasso daquilo que mais aprendi a amar. Por isso a escrita no que ainda me resta!

Escrevo como se catasse grão a grão o que jaz espalhado pelo chão. Escrevo como se colhesse do que na terra vingou, aquilo que ainda sirva como alimento ao espírito e à alma. E aquilo que me venha como alento ante um mundo sem palavras.

Escrevo com sede e com fome. Escrevo faminto e voraz. Escrevo sedento e mortificado pela falta da escrita derramada como salvação. Escrevo com prato e caneca vazios, com boca aberta e estômago fundo e profundo.

Escrevo como o vaga-lume na noite, procurando ser a luz na escuridão. Escrevo como se fosse o pedaço de lua que a nuvem não conseguiu encobrir, e por isso mesmo tenta a todo custo ser a luz maior na pouca luz que ainda há.

Escrevo se estivesse perante o último sopro, perante o último instante, ante o derradeiro agir. Uma pressa medonha que me faz voar, que me faz ser pássaro e horizonte, até que o voo se transforme em pouso forçado.

Escrevo assim. Ou quase assim. Sou levado pelo instante e em determinados momentos escrevo mais. Gosta da escrita na noite, gosto da escrita enquanto chove, gosto da escrita ouvido o silêncio.

E quando não escrevo, então fico me imaginando escrevendo. E é quando escrevo muito mais, pois as ideias surgem de tal forma que eu, acaso tivesse o dom de transportá-las vivas ao papel, não seria somente um escrevinhador, mas sim verdadeiro escritor.

O que verdadeiramente não sou.

Escritor

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