CASTELOS DE AREIA

Sou um sujeito contido, até demais. Mas, com a idade, a gente vai se soltando aos poucos. Hoje, ao tomar ciência e ver as primeiras fotos do incêndio da NOTRE DAME DE PARIS, eu chorei. Chorei por Paris, pela Humanidade e, sobretudo, por mim mesmo, por perder total ou parcialmente referências importantes de vida. Quando ocorreu o incêndio do Mercado Público aqui de Porto Alegre, fiquei abalado, por sorte já ocorreu a recuperação, ainda que, hoje em dia, muito raramente o freqüente. Fiquei realmente triste quando, no balneário de Xangri-lá, onde nem mais casa tenho, fechou o armazém do Borba. Ficaria arrasado se pegasse fogo na Igreja de Encantado, que há muitos anos não visito. Fico chateado quando fecha um boteco qualquer aqui pela minha região urbana em que resido. Ora, quando tinha trinta ou quarenta anos, poderia lamentar um pouco, mas logo esqueceria e no dia posterior já encontraria alternativa equivalente, e tudo bem. A partir de certo tempo de vida, algumas coisas banais para os mais jovens (ainda bem), mexem com o fenômeno da identificação dos que, inexoravelmente, têm a existência social mais “afunilada”, quer dizer, mais restrita. Por isto, tantos veteranos em constantes viagens, academias de ginástica ou de dança, cachaça nos botecos, carteados, bingos clandestinos, jogo de damas ou dominó na Praça da Alfândega. Alternativas absolutamente válidas e importantes. Para quem gosta e pode. Cada um no seu quadrado, o meu prazer é escrever, ler, assistir a filmes, conviver com filhos e netos quando possível, curtir Gramado e muito eventualmente viajar, mas apenas para determinados destinos. Sem falar nos cachorrinhos. Quem se envolve muito no dia a dia, talvez não sinta tanto esta perda de raízes e referências. Ótimo, mas não é o meu caso. Há vários anos tenho me adaptado ao novo mundo, mas sinto bastante quando perco bases que relembram o que já vivi e o que já fui, pois isto, sim, transmite sensações de solidão, que demandam hiperatividade para combater. Prefiro um bom vinho tinto.