Tobby e Pretinho

Com a trégua das chuvas, o dia amanheceu límpido e propício para a retomada das caminhadas habituais, levando o meu cãozinho Tobby pra passear.

E lá vamos nós para uma das pistas aprazíveis de caminhada, cercada por exuberante natureza.

Já caminhando, no meio da pista uma repuxada da correia que prende meu cãozinho me leva a olhar para trás. Um cão de porte médio, pelo liso, todo preto chamou a atenção de Tobby que, imediatamente, me conduziu ao inesperado companheiro de caminhada.

O cão preto vinha abanando o rabo, num evidente sinal de docilidade. Entretanto, havia em seu semblante um misto de amistosidade e tristeza.

Chegando perto de nós, e enquanto ambos os cães se ‘cumprimentavam’, observei que, aparentemente, tratava-se de um cão de rua, diante de seu estado de magreza e um e outro machucado pelo corpo.

Essa primeira impressão foi, em seguida, confirmada por um rapaz que por ali também passeava, com seu filho pequeno. Segundo ele, o cão de fato não tinha dono e tendia a acompanhar qualquer pessoa que lhe desse um mínimo de atenção.

Diante da confirmação de seu ‘status social’, invadiu-me uma intensa compaixão por ele, e passei a acariciá-lo, logo o ‘batizando’ por ‘Pretinho’.

Deixando-me perder na contemplação daquele ser tão carinhoso, mas tão desprotegido, lembrei-me de uma estatística recente. A Organização Mundial da Saúde estima que só no Brasil existam mais de 30 milhões de animais abandonados, entre 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães. Em cidades de grande porte, para cada cinco habitantes há um cachorro. Destes, 10% estão abandonados. No interior, em cidades menores, a situação não é muito diferente. Em muitos casos o numero chega a 1/4 da população humana.*

Pretinho, portanto, é um dentre 20 milhões de cães abandonados em nosso país.

Pretinho e seus semelhantes nessa condição, tidos como irracionais, vagueiam pelas ruas das cidades sob as intempéries do tempo e, pior que isso, as intempéries de alguns seres humanos; seres que se autodenominam ‘racionais’, mas, muitas vezes, cuja razão ainda não conseguiu alcançar o altíssimo significado dos sentimentos de compaixão e solidariedade nem mesmo por seus próprios semelhantes.

Continuando o passeio, fomos seguidos de perto por Pretinho. E a ele demos a nossa atenção, a nossa afetividade. Todavia, já se fazia hora de voltarmos para casa, nosso apartamento que, infelizmente, não comportava mais um cão. E dissemos adeus a ele.

Enquanto me dirigia ao meu carro, voltei meus olhos para trás. E, recostado num tronco de árvore, de cabeça baixa, lá estava Pretinho. Sozinho!

Tobby entrou no carro e voltaria para uma casa onde tem uma ração balanceada, uma ‘caminha’ quente e macia. E todo o carinho do mundo!

Pela última vez, dirigi meus olhos para Pretinho. E lá continuava ele, cabisbaixo, sob aquela árvore. Talvez à espera do próximo, mas incerto resto de comida. Mas, certamente, à espera de mãos afetuosas que lhe acariciem o pelo maltratado e tratem de suas feridas. E, por uma bênção extra: um dono, um amigo de pele humana e coração de anjo que coloque-lhe uma correia e o leve passear diariamente pelos parques da cidade. E, no final do passeio, leve-o para uma casa segura, onde o espera uma comida saudável, uma caminha quente e macia. E, coroando seu sonho, o carinho daqueles que, a partir de então, seriam os melhores amigo que um cão poderia desejar!

*https://anda.jusbrasil.com.br/noticias/100681698/brasil-tem-30-milhoes-de-animais-abandonados >.Acesso em: 05/03/2017.

Sergio Diniz da Costa – jornalculturalrol@gmail.com

Publicado no Jornal Cultural ROL em 05/03/2017