O FLUXO NATURAL

A vida segue o fluxo das águas no curso do leito natural. Você tem uma idade para aproveitar e descobrir, outra para também se divertir, mas já para estudar e preparar o amanhã, outra ainda para viver intensa e duramente este amanhã - trabalhando, lutando, matando um leão por dia - e, mais tarde, o desfrute natural daquilo que conseguiu plantar e construir. Assim caminha a humanidade. Há casos especiais para aqueles que também chegaram mais longe: não têm raízes, não contam com prole e, portanto, mal ou bem, seguem os apelos de uma vida livre. A maioria dos que venceram todas as fases vivencia a plenitude de sua condição existencial no desfrute de sua grei e no universo dos valores subjetivos que pode acumular. É o fluxo natural, que não demanda necessariamente adrenalina, façanhas, grandes movimentações e novidades. Tudo a seu tempo, enfim. Muita gente acaba perdendo-se no passinho de “Dom Fulgêncio, O homem que não teve infância”, criação argentina que fez muito sucesso nos anos 50, quando foi lançado o filme. Mudanças, adaptações e aventuras são eventualmente imprescindíveis. É óbvio, às vezes nem dependem de nossa vontade. A questão principal é a correta dosagem do passo: quando toca um tango, não se dança lambada. Num tempo de tanta agitação e demanda, devemos redobrar a atenção para não acelerar ladeira abaixo. A inquietação é boa, especialmente aquela produtiva, recomendável aos vinte anos. Aos oitenta, ou nas cercanias, até pode ter valor, mas parece não seguir o fluxo natural, não sei. Pelo sim, pelo não, eu escrevo.