COISAS FÁCEIS, DIFÍCEIS DE ACONTECER
Escrevo um texto com rapidez. Tudo vem quase de um só jato. Mas, como é difícil revisá-lo bem! E como encontro erros! Corrijo, mexo um pouco aqui, ali, passa um tempo, releio e descubro ainda mais erros. A gente escreve de um jeito e lê de outro. A releitura é um massacre para quem escreve. Outra coisa: freqüento Gramado há muitos anos, tenho apartamento lá e adoro café colonial. Sabem quantas vezes consegui deliciar-me? Nos últimos quinze anos, creio que três vezes. Sou fã de parillada, muito mesmo, mas não comi mais do que cinco ou seis vezes nos últimos muitos anos. E vejam que não estou falando de coisas complexas ou dispendiosas. Gostaria de passar um dia ensolarado e fresco numa propriedade maior, tipo sítio ou fazendola, com cachorrinhos, mulher, filhos e netos - o que não falta por estas bandas - com cervejinha e bom churrasco. Sabem quantas vezes isto aconteceu? Nenhuma. Pela metade, várias vezes. Tenho grande vontade de rever amigos em Encantado e quantas vezes lá estive, a menos de duas horas de Porto Alegre? Três vezes, talvez quatro, nos últimos cinqüenta anos. Anseio visitar amigos argentinos de Córdoba, uma barbada para ir até lá. Quantas vezes fui? Nenhuma. Fiz muitas coisas, mas a lista das coisas fáceis, simples, de intenções não satisfeitas, é também de bom tamanho. Muita demanda, compromissos, preguiça, desencontros, interesses divergentes de pessoas, que a gente acaba abrindo mão de pretensões. Ao relembrar esta gama de facilidades não atingidas ou só muito eventualmente alcançadas, eu me espanto - pelo contraste - que passeei pelas ruelas de Funchal, na Ilha da Madeira, em 1967, desfrutei Chamonix, em 1972, e adorava ostra e escargot, que desfrutei mais do que o café colonial e a parillada hoje reclamados. Talvez tenha vivido ao contrário ( tipo “O curioso caso de Benjamin Button”), ainda que não pretenda ficar em débito com aquilo que almejo.