MORAR SÓ

Assisti, há algum tempo, a certo GLOBO REPÓRTER, que fez interessante reportagem sobre morar sozinho, o que acontece com apreciável fatia da população brasileira. Já morei de todos os modos aqui em Porto Alegre: com os avós, empregada, tios, primos, durante quatro anos; depois, com os pais, mais quatro irmãos e empregada, quando voltaram do interior; logo que casei, num anexo aos fundos da casa dos sogros; na casa própria com a mulher e filhos pequenos e, separado, no meu valente e aprazível apartamento de 46m2, na Rua Fernando Machado, esquina Borges de Medeiros, absolutamente sozinho, por 22 anos. Hoje, habito com a mulher, enteado de 22 anos (neste ano, na Austrália) e três cachorrinhos em apartamento novo. Gosto da vida que levo, mas não consigo entender quem não curte morar só. Foram 22 anos - não poucos meses ou alguns anos - com que me contemplei com a benesse da liberdade em estado puro. Difícil dizer o que é melhor, pois é questão de hábito, de ajuste e, possivelmente, o fator idade possa favorecer uma ou outra alternativa, não tenho certeza. Quando for mais velho, eu conto. O segredo de morar só é contar com uma faxineira de confiança, quanto ao mais, os serviços de tele-entrega resolvem. Vivia a poucos passos de um belo supermercado, farmácia, videolocadora, bares, lavanderia e ponto de táxi do outro lado da rua, com garagem coberta e espaçosa. Sempre ia a pé para o trabalho. Não havia como não ser feliz. E isto não tem qualquer relação com vida atual afetiva ou familiar. Sou um tanto intimista, adoro “cavernas” em que cultivo meu espírito e o esplendor de ser. Isto não coloca obstáculos à socialização sadia ou a relacionamentos, salvo se for para constituir família. Enfim, de um modo ou de outro, sempre procurei preservar território próprio. Quando as pessoas se afinam, são relativamente independentes, se amam e respeitam, a vida familiar é boa demais, sobretudo florida por crianças e animais de estimação. Talvez seja o ápice do convívio humano e a meta maior de qualquer pessoa. Nem sempre é possível, nem sempre dura. De qualquer modo, não entendo como há tantas pessoas que carecem de junção a qualquer preço. Ofereço de bom grado o meu vinho, mas não a própria taça.