AINDA SOBRE O TRABALHO LIVRE

Meu velho pai quando se aposentou – mais cedo do que eu – apenas arrefeceu suas atividades como médico, mas sua grande meta e ocupação passou a ser rural, seguindo a saga da família, em que o pai foi estancieiro do Itaqui. Com alguma poupança, alienação de bens e, principalmente, com seu quinhão hereditário adquiriu terras na Barra do Ribeiro, a 50 minutos de Porto Alegre, do Senhor “Nenê Penteado”. Comprando mais um naco dali, outro daqui, acabou com 110 hectares, onde criou oitenta cabeças de gado, alguns cavalos, porcos, galinhas, gansos sinaleiros, perus e até abelhas. Como havia uma boa barragem, arrendou uma parte para o cultivo de arroz. Construiu uma bela e ampla casa, deixando a original para a família do caseiro. Mandou edificar um respeitável galpão, onde guardava também o trator. Havia mata com bugios e muitos pássaros, um pequeno rio com prainha de areia, em que nos banhávamos. Era efetivamente uma fazendola bastante aprazível. Sonho de vida do velho pai, que plantou todas as árvores frutíferas imagináveis, fez horta e jardim. Depois de certas experiências não muito positivas, encontrou um caseiro bom, cuja mulher ajudava a empregada Ieda na cozinha e na limpeza e até seus filhos davam eventualmente uma mãozinha com os animais para o velho. Meu pai foi médico forjado na vida dura do interior do Estado, político de certo destaque, Secretário da Saúde do Estado, Juiz de Contas Substituto do Tribunal de Contas da Capital, mas foi na fazendola ou no “sítio” que encontrou sua realização maior, acredito. E já veterano. O problema é que desejava aumentar a propriedade e insistia com minha mãe que dava lucro. Não dava. Não foi fácil dissuadi-lo de maiores vôos. Paixão é paixão, saga é saga. Mas, seja como for, o velho continuou sempre a produzir e a sonhar.