AMARGURAS DA PROFISSÃO

Defeitos obviamente existem em todos os ramos, mas isto não impede o meu desabafo no que concerne aos problemas graves que afetam a minha área específica de formação e atividade durante toda uma vida. Não dá para pessoalizar a crítica, já que o problema é sistêmico no plano do direito. A legislação compromete seriamente o papel do advogado, do promotor, do procurador, do defensor e do juiz e contamina os cartórios. A herança burocrática e formalística das Ordenações do Reino ainda permanece na raiz do sistema judiciário brasileiro como um todo. A Carta Magna de 1988 foi boa, inovou, rasgou horizontes, redefiniu funções e cometeu responsabilidades, mas a sociedade de consumo em desenvolvimento, a globalização, crises econômicas e as novas práticas políticas decorrentes deste contexto foram, não raro, teratológicas. Quer dizer, com vários desvios e anomalias. O corporativismo, que existe em qualquer atividade profissional, adquiriu poderosa força nestas hostes. Não consigo perdoar arroubos bacharelescos, juízes temerosos, egocêntricos ou desleixados, assim como promotores de justiça, procuradores ou defensores mais focados na carreira do que na missão social importante, porque a lei assim permite ou custa muito a sancionar. A começar pelo fato de que os bacharéis em direito sempre tiveram, sabidamente, enorme poder representativo no Congresso Nacional e praticamente todas as leis passam pelo seu crivo e, frequentemente, pelo seu próprio voto. Grandes advogados, juízes e promotores ou procuradores dão exemplo diário de labor, coragem e competência, correndo até sérios riscos pessoais na defesa da lei e da ordem. Por isto ganham bem, inclusive nosso reconhecimento. Mas o que me dói é observar a formação de pequena casta absolutamente avessa aos naturais entreveros da missão, absorvidos pela ascensão na carreira e investindo basicamente em seu próprio futuro, enquanto a sociedade come o pão que o diabo amassou: o cliente é um chato, as pessoas são apenas o Requerente ou o Requerido, Autor ou Réu, Apelante ou Apelado. O sujeito, afinal, é uma autoridade, passou em concurso público (como se tivesse lutado na Segunda Guerra Mundial) e necessita concluir Mestrado ou Doutorado na China ou dar um curso em Bossoroca. Aí o processo é despachado para ali, para acolá, para colibri; ademais, tem uma substituição a fazer, umas férias a mais para gozar e a remuneração está muito aquém, não se deve exigir demais. A lei tem de mudar, mas, sobretudo, as mentalidades, a moral. O mundo está cheio de inteligentes, aliás, o presídio central também. O País precisa é de trabalho, responsabilidade e dedicação. Gente inteligente às vezes é um grande problema social. O mundo jurídico, parece-me, está com gente inteligente em excesso.