Te olham dos pés à cabeça
Quer ser “descolado” na escola? Pois bem. Comece pelos pés, use/tenha de preferência o sapato da moda da vez. Sapato como sinônimo de status, estilo. Um sapato caro + uma marca famosa = “moleque zica” (gíria atual. Não lembro da gíria da minha época). Ou pelo menos, consiga um que não seja doado pela mulher que explora sua mãe (conhecida também pela alcunha de “a patroa), encontrado por acaso no meio da bagunça, após ter sido jogado ali pelo Pedro Henrique (o filhinho da dita cuja), como geralmente era o meu caso.
Ah, sim, sapato era um problema na escola. Sapato sempre foi um problema. Não que as outras coisas que eram um problema na escola, fosse um problema menor. Mas sapato, a falta de um bom sapato, um par de sapatos decente para ir à escola, era realmente um problemão na escola. Merda, parecia que eles sempre estavam me olhando dos pés à cabeça, ou da cabeça aos pés, tanto faz. O problema era que sempre terminava nos pés. Fora que ir à escola, com ou sem sapato decente, era a Via-Crúcis para mim.
Eu definitivamente não gostava da escola. Não somente por meus “trajes Grunge” que me deixava, visualmente falando, completamente fora do padrão da moda do momento (isso quando o movimento Grunge nem havia chego direito aqui no Brasil, e eu nem sabia que diabo era Rock), mas também por eu me sentir quase sempre extremamente deslocado, deprimido dentro daquele ambiente (na rua, fora da escola, eu era feliz).
“Aos escravizados no Brasil, não era permitido o uso de sapatos. Essa era uma de suas marcas. Somente podiam usar sapatos, os negros libertos. Sapatos como símbolo de liberdade”, disse um dos meus professores de História, certa vez.
Então era isso, nada havia mudado de fato. Enquanto eu não tivesse condições de ter um bom sapato, não seria livre. Estava óbvio. Enquanto minha mãe continuasse sendo escravizada, faxinando na casa da Edite, em troca de um misero salário no mês, nós não seriamos livres. As pessoas continuariam me olhando dos pés à cabeça. Merda.