Bolsonaro, o cristão anticristo?
“Em seus mandatos parlamentares, destacou-se na luta contra a erotização infantil nas escolas e por um maior rigor disciplinar nesses estabelecimentos, pela redução da maioridade penal, pelo armamento do cidadão de bem e direito à legítima defesa, pela segurança jurídica na atuação policial e pelos valores cristãos”.
(Trecho retirado do site oficial do candidato Jair Bolsonaro).
Pra vocês ver como são as coisas, o Bolsonaro, como todos nós sabemos, levou uma facada no bucho por esses dias, e eu, dia desses também, estive com uma navalha em meu pescoço, segura pelas mão de um de seus eleitores...
Apontando com o olhar para a foto do candidato colada no espelho, assim que sentei na cadeira, me interpelou o tipo: "Você conhece Bolsonaro, capitão do exército, que vai defender nossas filhas dos estupradores?". "Bolsonaro né... ah... defender... capitão do exército, é? ...hummm, acho que já ouvi falar", respondi meio assustado.
Como disse, já me encontrava sentado na cadeira, vestido com o avental, em questão de poucos minutos, o cara já havia feito seu trabalho porco e manejava a lâmina no contorno do que restava de cabelo na minha cabeça, fazia o "pé". "O Bolsonaro vai dar um jeito nesses vagabundos, nesses nóias que estão por ai roubando, matando, estuprando", continuava a criatura. "Ah, vai é. Como ele vai fazer isso, investindo em educação?", senti uma leve dor, uma ardência em uma das minhas orelhas, enquanto terminava de falar essas palavras. Ele, o "cabeleireiro", havia feito um pequeno corte (sem querer?) com o fio da lâmina afiada, detrás da minha orelha esquerda. "Não. Ele vai armar o cidadão de bem, lhe dar o direito à legítima defesa, para que ele possa se proteger dos meliantes, dos marginais, por conta própria".
Como dizia o Oseias, se referindo a um colega em comum: "Os dias de nóias como você Marcão, estão contados. O Bolsomito vai dar um jeito em gente como você, nessa escória toda, há!".
Eu, que posso ser até meio besta mas nem tanto, na hora não questionei o "Bolsonarito". Aquela navalha em sua mão, que eu ouvia até o tilintar, o olhar esbugalhado e vidrado do mentecapto, dava bons motivos para eu me manter em silêncio, me fazendo de desentendido.
Está certo que - falando em educação como requisito essencial, a grosso modo, para o bom desenvolvimento de um país - muitos dos países que investem e investiram uma bela fatia do seu PIB nessa área, no caso, países como China, Finlândia, Noruega, Coreia do Sul, Canadá, Taiwan, Estônia, Macau, Japão, Cingapura... vão indo bem, obrigado (Mesmo que, em alguns casos, transformando seres humanos em robôs, e não necessariamente em seres pensantes, críticos). Por certo esse não é o caso do Brasil. Aqui fizemos o contrário, cortou-se os gastos com educação. Isso não é genial!
Mas enfim, educação não parece ser uma prioridade concreta para nenhum dos candidatos à presidência nas eleições desse ano, incluindo Jair Bolsonaro. Inclusive, fala comum do candidato é dizer "que violência se combate com mais violência, repressão, pena de morte". Educação de qualidade pra que, né? É só colocar esses menores na cadeia, muito melhor do que na escola... "Eu não vou entregar flores para traficante que me ataca lá do morro com chumbo pesado", costuma se justificar. Talvez flores não seja realmente o caso, mas, Já não há mortes suficientes, de ambos os lados? Os presídios não estão abarrotados o bastante? Tem resolvido alguma coisa? A solução é o extermínio, uma licença maior para matar (segurança jurídica na atuação policial), o acirramento da guerra civil, então? Amém irmãos? Esses são os valores cristãos?
"Combater violência com violência", com certeza esse é um dos argumentos preferidos do "cabeleireiro", certamente visto por ele no Facebook através de alguns Memes. "Armai o próximo como a si mesmo", como dizia um dos que eu vi.
É nessas horas que eu penso em contra-atacar, usando uma daquelas famosas frases de Gandhi: "olho por olho e o mundo acabará cego", mas acabo achando muito apelativo, como agora. Aliás, esquece isso. Apaga essa frase da sua cabeça. Eu peço desculpas, afinal de contas, Gandhi era pacifista, hinduísta, jainista, e já que os eleitores do Bolsonaro, o próprio Bolsonaro, são todos muito cristãos. Melhor citar a bíblia, então:
"Amarás ao teu próximo como a ti mesmo". (E não...)
"O homem de violência seduzirá seu próximo e certamente o fará ir num caminho que não é bom". Provérbios, 16:29.
"Bem aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus". Matheus 5:9.
Disse-lhe Jesus: "Guarde a espada! Pois todos os que empunham a espada, pela espada morrerão" Matheus, 26:52.
Disse-lhe Jesus: "se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me". Matheus 19.
Talvez na própria bíblia vocês encontrão ensinamentos contrariando essas passagens, ou, pelo menos, interpretações em cima dessas ou de outras passagens, que as contrariam. Mas ai, já não é mais comigo. E também, pelo o que eu saiba, Jesus andava em meios aos pecadores, prostitutas, ladrões... ("Porque o filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido", Lucas 19:10). Ou seja, tentando resgata-los, e não, mata-los.
Terminado o corte de cabelo, retirei a carteira do bolso, puxei a nota e entreguei os 10 reais ao indivíduo. Subitamente, após o choque, reparei o quanto aquele ambiente era sufocante, sombrio, com uma energia negativa de arrepiar a espinha. Pouca iluminação. Quase todas as coisas em volta estavam quebradas, empoeiradas...
Era um finalzinho de tarde de sexta-feira. O restante da claridade do dia vinha aos poucos se fundindo com escuro trazido pela noite. A rua estava mais movimentada do que de costume. Eu via as pessoas passando, aquelas que haviam acabado de saltar do ônibus, ali mesmo na avenida, no ponto próximo ao salão. Eu mesmo também acabará de chegar de mais um dia de trabalho com o Oseias e resolvi dar um jeito na juba. "Dez reais o corte", dizia o cartaz na entrada.
...Pensando bem, o Oseias tinha se referido a esse sujeito tempos atrás, e eu no momento não percebi. Mas agora, passado a experiência macabra, ligando uma ideia a outra, recordo o Oseias dizendo algum absurdo a respeito do Bolsonaro, isso após ter ido com seu primo no salão do Iraque para um corte.
“Iraque”, acho que é assim que chamam o "cabeleireiro".
Como eu havia dito no início, mal pisei em seu estabelecimento, ele me pediu pra sentar, jogou o avental sobre meus ombros, pegou a máquina de cortar cabelo que se encontrava na mesinha de vidro a minha frente, e antes que eu lhe dissesse uma única palavra, perguntou: "o que vai ser hoje chefe?" "Passa a dois em tudo por favor", respondi enquanto via pelo reflexo do espelho um pôster gigante do Elvis pendurado na parede. "Você conhece Bolsonaro, capitão do exército, que vai...". Já era tarde demais pra voltar atrás.
E disse-lhe Bolsonaro: "Muitas vezes você não pode atirar em direção ao assaltante, porque se você vier a errar, você pode atirar em um inocente". (Em entrevista ao programa do Jô Soares)