Na casa da Marieta
 
     A casa da Marieta era um país encantado... Tinha cheirinho de coisas guardadas a muito tempo, uma mistura de naftalina e mofo, casa antiga de chão batido, calçada alta, lembrava um palácio. Ficava afastada da cidade, no finzinho da rua, quase zona rural. Ir à casa da Marieta era como entrar num país encantado. Quanto mistério havia naquela casa!
     Eu era pequena, muito pequena e aquela casa parecia enorme... com suas portas e janelas largas e antigas. Aliás, as janelas eram com certeza o que mais me atraia. Elas eram arredondadas e baixinhas, quase encostando no chão, e eu podia subir nelas sem nenhum esforço e ali ficar sentada e dali apreciar o terreiro imenso com suas árvores frondosas. Mas o que eu gostava mesmo era de acompanhar as conversas da Marieta com a minha mãe, adentrar em seu quarto, vê-la retirar seus crochês e colchas de retalhos e de fuxicos do fundo da gaveta, exibindo assim seu tão valoroso e caprichado artesanato. Da janela do quarto eu podia ver na casa vizinha a sua irmã, que por sofrer de esquizofrenia ficava lá, trancada entre grades. As vezes ela aparecia nas grades, cabelos assanhados, olhar estranho. Outras vezes apenas podia ouvir os seus gritos... Quanto mistério para mim.
     Na sala da casa muitos bibelôs de louça, pequeninos, delicados e atraentes aos meus olhinhos de criança. Quando adentrávamos a cozinha mais surpresas, um belo papagaio que gritava: Marieta! Marieta!  Queijos e carnes de sol sobre pedaços de madeira e dependurados com cordas e janelas, mais janelas, mais claridade, mais luz... Passávamos para o quintal onde ficava a horta, suspensa sobre estacas de madeira, coentros, cebolinha, hummm! Que cheirinho bom, que gostinho de vida. Seguindo por um caminho chegávamos a casa de Rosinha, outra irmã de Marieta. Casinha pequena, simples e também com seus encantos.
     Marieta era casada com seu Nezinho, nunca tiveram filhos e já tinham idade avançada. Acredito que nossa visita alegrava aquela casa vazia de barulho de crianças. Na casa de Marieta o tempo corria devagar, acho que até parava, talvez porque não tinha televisão.
     No final do dia ao voltar para casa ficava a meditar que a mesma casa que no início me deixava feliz, no final também gerava em mim tristezas profundas, ao imaginar quão solitária seria a vida daquele casal.



Márcia Kaline Paula de Azevedo
Enviado por Márcia Kaline Paula de Azevedo em 22/09/2018
Reeditado em 14/11/2020
Código do texto: T6456334
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