Bendita Fluidez
Bendita Fluidez
Anos atrás, num tempo em que este pobre cronista de interior ainda não passava de uma criança, invadiu os telejornais a explosiva notícia de que havia, no distante solo da Romênia, uma menina que chorava lágrimas de cristal.
Numa das muitas entrevistas que concedeu, a mãe da infante glorificava o feito dizendo que o pétreo pranto de sua filha era uma bênção de Deus.
Chorar lágrimas de cristal, certamente, devia doer bastante. Razão mais do que suficiente para que não se considerasse tal fenômeno uma bênção, mas, um suplício.
Felizmente, meses depois, comprovou-se que o choro de cristal da menina não passava de uma farsa.
Tome-se o advérbio de modo “felizmente”, empregado na frase anterior, não como um mero artifício lingüístico, mas, como a incontida expressão de uma verdade irrefutável! A saber: A certeza de que existe uma razão de ser para que, no âmbito da natureza, as coisas sejam exatamente como são.
As lágrimas foram criadas líquidas, fluidas, a fim de que o tempo as pudesse dissolver, o espaço as pudesse consumir e as almas as pudessem esquecer.
Se as lágrimas fossem pétreas, como os cristais, não haveria, em todo o Universo, ser que se negasse a contá-las, juntá-las e aprisioná-las na memória.
Se as lágrimas fossem pétreas, como os cristais que pareciam gotejar dos inocentes olhos da infante romena, não haveriam, nos corações humanos, passagens abertas para a proliferação do perdão, o que tornaria os homens seres absolutamente desérticos e estéreis.
Por serem líquidas, as lágrimas se irmanam com a chuva e, uma vez tragadas pelo âmago da Terra, libertam-se do sal que as oprimia e, desfazendo-se das causas que as fizeram brotar, dão de beber à vida.
Hebane Lucácius