Adelinde e Parzival

América do Sul. Brasil. Agosto de 2016. Nosso país vive um momento ímpar na história dos esportes. Pela primeira vez a América do Sul sedia os Jogos Olímpicos. E coube à ‘Cidade Maravilhosa’ sediar os XXXI.º Jogos Olímpicos de Verão.

Com um mau augúrio antecedendo o início do evento, a abertura das Olimpíadas, no entanto, foi um show inesquecível, elogiado mundialmente.

As Olimpíadas Antigas foram uma série de competições atléticas disputadas por atletas das cidades-estados que formavam a Grécia Antiga. De acordo com registros analisados por historiadores, os Jogos Olímpicos surgiram no ano de 776 a.C. na cidade de Olímpia. Possuíam caráter religioso, político e esportivo. Primeiramente, representavam uma forma de homenagem aos deuses, principalmente Zeus. Era também um momento importante na busca pela harmonia entre as cidades-estados, e serviam como um evento de valorização da saúde e do corpo saudável.

Os jogos ocorriam de quatro em quatro anos. Na época de sua realização ocorria uma trégua nas guerras e conflitos. A conhecida ‘paz olímpica’ servia para garantir segurança para os atletas que tinham que se deslocar de suas cidades-estados até Olímpia.

O evento durou mais de mil anos, até 393, quando o imperador romano Teodósio I aboliu o evento, alegando que se tratava de uma festa pagã.

Quinze séculos depois, o ‘espírito olímpico’, foi reaceso. Em 6 de abril de 1896 começava em Atenas, na Grécia, a primeira edição dos Jogos Olímpicos da era moderna, por iniciativa de Charles Freddye Pierre, que tinha por título nobiliárquico Barão de Coubertin.

Filho de artistas, foi educado num ambiente aristocrático. Estudou arte, filosofia e direito na Sorbonne, mas veio a interessar-se especialmente por educação. Motivado pelo ideal da educação através do esporte, Coubertin queria propagar seu uso como um instrumento de aproximação entre os povos, em benefício da paz. A célebre frase “o importante é competir" é atribuída ao barão francês, mas teria sido adaptado da frase "O importante não é vencer, é participar", da autoria de um bispo da Pensilvânia (EUA) e que foi pronunciada num discurso para os atletas, antes das Olimpíadas de Londres (1908).

Coubertin, entre os 17 e os 24 anos, viajou à Inglaterra, ao Canadá e aos Estados Unidos para estudar o papel da educação física no desenvolvimento do indivíduo. Na década de 1880, publicou uma série de artigos defendendo o valor dos jogos amadores para a formação do caráter dos jovens.

Em 1894 organizou um congresso na Sorbonne, em que propôs a restauração das antigas Olimpíadas da Grécia. A realização do congresso levou à criação do Comitê Olímpico Internacional (IOC - International Olympic Comitee), do qual Coubertin tornou-se secretário-geral.

Perguntado sobre o motivo pelo qual restabeleceu os jogos olímpicos, Coubertin respondeu: ‘Para enobrecer e fortalecer o esporte, para assegurar independência e perenidade ao esporte, para torná-lo apto a preencher o papel educativo que lhe cabe no mundo moderno.

Se, por um lado, para o Barão de Coubertin o mais importante era o papel educativo das competições, por outro, o lema das Olimpíadas, ‘citius, altius, fortius’ (mais rápido, mais alto, mais forte), criado pelo francês Henri Didon para os jogos de Paris (1900), é usado até a atualidade.

Portanto, ainda que as Olimpíadas, em sua origem significassem um momento importante na busca pela harmonia entre as cidades-estados da Grécia antiga, e foram restabelecidas com um altíssimo propósito educativo, é evidente que, para os atuais competidores e seus patrocinadores, vencer é o objetivo primordial. Inclusive por meios ilícitos, como o doping.

Esse objetivo ─ nitidamente egóico, ressalte-se ─, porém, parece ter sido deixado de lado em um das modalidades da competição. Coube à hipista holandesa Adelinde Cornelissen uma atitude divorciada do vencer (a qualquer custo) durante os jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Pouco antes da competição, ela percebeu que seu cavalo, Parzival, estava com febre e a cabeça inchada, além de muito agitado. Levado a um veterinário, o diagnóstico concluiu que ele havia sido picado por algum inseto ou por uma aranha, razão dos sintomas.

Apesar da melhora de seu parceiro de competição ─ e que já lhe dera uma medalha de prata e uma de bronze em competições individuais ─, Adelinde, por respeito a ele, decidiu abandonar a competição. E, comentando o acontecido nas redes sociais, apontou o dilema de deixar a equipe ou preservar o cavalo, que tem 19 anos. "Quando nós entramos, eu senti que ele estava dando o seu melhor, e sendo o lutador que é, ele nunca desiste. Mas, para protegê-lo, eu desisti. Meu amigo, meu parceiro, o cavalo que me deu tudo por toda sua vida não merece isso. Então, eu deixei a arena, afirmou Adelinde”.

A atitude de Adelinde talvez não tenha alcançado a mesma repercussão da abertura dos jogos olímpicos do Rio; todavia, certamente reviveu o suprassumo do espírito olímpico, que é vencer a si mesmo. E, mais do que vencer os limites do corpo, sobrepujar as fronteiras dos interesses humanos menores.

Ideologicamente, o espírito olímpico é tão importante que os atletas que o demonstram são premiados pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) com a Medalha Pierre de Coubertin.

Adelinde, em não disputando a prova, em prol de Parzival, transcendeu esse espírito. E merecia receber a Medalha Pierre de Coubertin.

E se possível fosse, entregue pelo próprio Barão de Coubertin!

Sergio Diniz da Costa
Enviado por Sergio Diniz da Costa em 01/09/2018
Reeditado em 01/09/2018
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