'Vândalo é o sistema'

Mais um dia amanhece, ensolarado, e cá estou eu, acompanhado por meu cãozinho (Tobby), no nosso passeio diário.

E hoje, em vez dos parques da cidade, as ruas do meu bairro.

Passando por um muro, uma pichação me chama a atenção. No lugar de apenas os costumeiros símbolos ininteligíveis para as pessoas em geral, ao lado destes, a frase: ‘Vândalo é o Sistema’.

Continuo a minha caminhada, arrancado bruscamente que fui pelo impaciente peludinho, premido por suas necessidades fisiológicas. Mas a frase segue comigo, produzindo comichões filosóficas.

‘Vândalo é o Sistema’. A frase ficou martelando na minha cabeça, certamente à espera de uma conclusão, concordando com ela ou a rejeitando.

Num primeiro momento a rejeitei, porque, afinal de contas, a pichação, sim, é um ato de vandalismo, uma vez que o seu autor ─ geralmente, mais de um ─ não pede permissão ao proprietário dos imóveis ou dos bens públicos para tal manifestação; manifestação essa, aliás, muitas vezes insultuosa ou tão somente utilizada como forma de demarcação de territórios entre grupos ─ às vezes gangues rivais.

Realizada à noite e em locais proibidos e, basicamente, com uma única cor, apresenta um visual desagradável, não apresentando algum valor artístico ou mesmo mensagens que gerem qualquer reflexão útil.

Trata-se, portanto, de uma prática ilegal, considerada vandalismo, nos termos do artigo 65 da Lei 9.605/98, que trata dos Crimes Ambientais.

Curiosamente, porém, a prática da pichação é encontrada desde a Antiguidade. A erupção do vulcão Vesúvio preservou inscritos nos muros da cidade de Pompeia, que continham desde xingamentos até propaganda política e poesias. Na Idade Média, padres pichavam os muros de conventos rivais no intuito de expor sua ideologia, criticar doutrinas contrárias às suas ou mesmo difamar governantes.

Visto sob este ângulo, definitivamente rejeitei a frase do muro.

Todavia, semelhante à Serpente do Paraíso, ela continuou me instigando a comer e digerir o fruto dos meus conhecimentos, conceitos e até mesmo dos meus preconceitos.

O ‘Sistema’ que, dentre inúmeras acepções, é definido como a qualidade econômica, moral, política de uma sociedade que condiciona, integra e/ou aliena um indivíduo.

Neste momento, senti uma vontade irresistível de conhecer o autor da pichação, agora não mais vista como rabiscos grotescos, porém, como um grito silencioso de um grupo ou de uma voz solitária, clamando, talvez, por ética, solidariedade, paz e justiça social.

E aquele muro era tão somente uma grande folha de papel em branco, onde esse apelo haveria de alcançar olhos míopes e mentes entorpecidas pelo Poder.

Este lampejo reflexivo ensombreceu meu passeio, mas, certamente, não o do meu cãozinho que, naquele instante, se detinha, curioso, fascinado diante de uma belíssima borboleta.

Também me detive para apreciar aquele inseto, delicadamente colorido. E não pude deixar de comparar esta visão à do muro. Esta, para a admiração de um ser irracional. Aquela, provavelmente, para a inércia de um ser humano.

Sergio Diniz da Costa
Enviado por Sergio Diniz da Costa em 31/08/2018
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