Saltimbancos

O semáforo fechou. Um daqueles que duram em torno de 70 segundos. Uma eternidade para quem está atrasado para algum compromisso. Principalmente quando o dia está tórrido e o carro não tem ar-condicionado!

Imediatamente, três jovens ocupam a frente dos carros. Entretanto, não são pedintes. São artistas de rua e, aparentemente felizes, começam a exibir sua arte. Basicamente, o malabarismo.

Sincronizados com o tempo de abertura do sinal, exibem seu talento e, em seguida, passam de carro em carro, esperando receber algum dinheiro. Regra geral, apenas centavos. E recebidos como se fossem pequenas fortunas.

Eu nunca deixo de contribuir com esses jovens, modernos saltimbancos.

E esta palavra, no momento trazida pela memória, me leva a uma brevíssima incursão pela História. A tradição dos saltimbancos e suas apresentações vêm de longa data, sendo encontradas em antigas civilizações no Egito, na Grécia e em Roma.* Mas, a mim, esses artistas me foram apresentados por meio de filmes sobre a Idade Média, assistidos ainda na adolescência. A Idade Média, que teve início na Europa com as invasões germânicas (bárbaras), no século V, sobre o Império Romano do Ocidente. Essa época estende-se até o século XV, com a retomada comercial e o renascimento urbano.**

Os saltimbancos eram trupes de mímicos, ventríloquos, ilusionistas e equilibristas, entre outros, que, com o fim do Império Romano e o início da Idade Média, no século 5, começaram a se apresentar em feiras e praças pela Europa, divertindo as multidões. Deslocavam-se de cidade em cidade, sobrevivendo de contribuições espontâneas.***

Além de proporcionar opções de entretenimento para os camponeses e para a nobreza, os saltimbancos ajudaram a espalhar e modificar a cultura local através da divulgação de novas ideias e crenças. Suas apresentações foram especialmente eficazes em espalhar a fé cristã no continente europeu. O circo, como o conhecemos hoje, tem sua origem nas atividades desses artistas.

Em termos de apresentações teatrais, todavia, sofriam perseguição da Igreja, na época muito poderosa, a ponto de escolher o que as pessoas podiam representar, de preferência textos cristãos. E os saltimbancos não queriam saber desse engessamento cultural, preferindo a disseminação da liberdade criativa.

Perseguidos pela Igreja e sendo tratados como fora-da-lei, os saltimbancos começaram a usar máscaras, para não serem reconhecidos.****

Hoje, felizmente, os artistas que mantiveram esse tipo de arte já não sofrem mais o mesmo tipo de perseguição. Por outro lado, sua arte praticamente não se distingue de outras profissões informais, e de baixíssima remuneração, como os ‘guardadores de carro’ e os ‘flanelinhas’.

Nem todos esses artistas têm a oportunidade de estar num ‘Cirque Du Soleil’. Seu picadeiro são as ruas sem glamour, com uma plateia apática e, às vezes, ofensiva.

O semáforo reabriu. E a luz verde me traz de volta ao presente. Um rosto simpático, sorridente ainda está entre os carros, e próximo do meu. Rapidamente, entrego-lhe uma nota de dois reais, a qual ostenta a imagem de uma tartaruga. Ele olha para a nota e comenta, agradecido: ‘Eu amo os animais!’

Devolvo-lhe o sorriso, engato a marcha e prossigo meu caminho, com um misto de leveza e peso na alma. Não consigo deixar de pensar que, para aquele talentoso artista de rua, talvez uma tartaruga tenha-lhe sido o animal mais precioso daquele dia.