A crônica abaixo recebeu um prêmio não sei onde nem quando, em um concurso de textos intitulado "As Marcas do Tempo". Espero que meus leitores gostem.

Eterno Agora


Dalva Agne Lynch



Pois então, pensei com meus botões, quer dizer que, se não houvesse tempo, não haveria marcas? E meu segundo pensamento foi, "...não haveriam marcas?" Não - marcas é objeto direto. Não há marcas no teto, mesmo depois da última tempestade. Talvez o buraco do teto se fechou por si mesmo, como um lagarto crescendo uma nova cauda.

O buraco do teto também apareceu devido ao tempo - ao temporal, devo dizer. Desligo o pc e sento-me na varanda. Vendo o tempo passar.

Antigamente a rua a esta hora ficava cheia de crianças brincando . Depois, uma a uma, as portas das casas se abriam e as mães as chamavam para o jantar.

Agora as portas permanecem fechadas e trancadas à chave, e mãe alguma permitiria que os filhos brincassem no meio de tantos carros e tanta bala perdida. Culpa da favela que cresceu - com o tempo! - na vizinhança, e do shopping ao fim da rua. De qualquer modo, os filhos estão nas creches a esta hora. Só chegam na hora do jantar. Levanto-me da cadeira da varanda (há grades entre a varanda e a rua) e entro. Não há nada para ver na rua.

Se o tempo passa e deixa marcas, como é que ele não está passando agora? Deslizo o dedo pelo aparador, e ele fica sujo de poeira. Eu sabia que tinha esquecido de fazer algo.

Então escuto o barulho da chave na porta de entrada, e o tempo pára. O tempo sempre pára quando ele chega em casa. Há tanto tempo o tempo deixou de existir, quando ele abre a porta! Volto-me sorrindo para o esperado beijo.

Na tela do pc, minha crônica sobre as marcas do tempo vai ficar esperando. Como eu, ainda há pouco. Porque quando ele chega em casa, já há tanto tempo,o tempo se vai embora, e nada mais importa. Nem o buraco do teto, que se fechou por si mesmo.

Amanhã terminarei a minha crônica...


fig: "Senhora à janela", da autora, feita especialmente para este texto

Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 05/09/2007
Reeditado em 31/10/2010
Código do texto: T639550
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