MATAR UM LEÃO POR DIA
Quanto mais avançamos e a vida torna-se mais competitiva e árdua, você tem de matar um leão por dia. Não interessa se o sujeito está aposentado, é mais veterano, foi um dia isto ou aquilo, ajudou João ou Maria. A memória da sociedade cabe numa latinha pequena de cerveja. E as cobranças são incansáveis. Claro, é possível desligar e mandar tudo às favas, mas não é tão simples. Antigamente, a pessoa pendurava as chuteiras e saia para pescar ou para caçar e tudo acontecia lentamente, sem sobressaltos. Os vizinhos eram os mesmos, a bodega da esquina continuava funcionando, assim como a barbearia, o açougue, a farmácia e até o restaurante domingueiro. A empregada ou faxineira, o jardineiro, o zelador do prédio, os porteiros duravam anos em seu mister e em nosso mundo. Separações não eram tão freqüentes, os amigos encontravam-se constantemente e mais ainda os parentes. Agora, como todos sabem, abundam as novidades e os desafios. A moda mudou, a gente tem de se adaptar. É preciso comprar mais isto ou aquilo para melhorar o conforto; é interessante ser jovial e belo, muita gente recorrendo à cirurgia plástica e aos salões de beleza. Sem falar na indumentária, na decoração residencial, no embelezamento dos “pets” e na atualização dos eletrônicos. Muita ginástica para que tudo caiba no orçamento: que venha o próximo leão, já que continuamos na arena. Naturalmente que é preciso controlar a intensidade da peleia, mas há quem sofra. Afinal, Paris é logo ali, tem Copa do Mundo na Rússia, o Nordeste é tão agradável pelo seu clima quente para os que não gostam do frio. Tem crédito fácil, pode-se matar o leão aos poucos, quem sabe. Mas, atenção, vários leões feridos dão trabalho demais ao guerreiro. É importante pensar nisto. É uma briga boa, empolgante, mas há limites insuperáveis. O “mocinho” não tem como permanecer como galã eterno do romance. Se não tomar muito cuidado, será devorado por um leão mais feroz.M