FOTOGRAFIA DAS PERDAS

Quem vive mais de cem anos com boa saúde e ativo pode ainda bem aproveitar a vida. A medicina tem buscado muito o Santo Graal e grande parte das pessoas nutre a fantasia. Não sou ninguém para julgar os anseios do homem e não é isto que pretendo fazê-lo. O passar dos anos confere tanta experiência acerca de algumas questões, que até nos desanima. Por certo, há notáveis avanços tecnológicos e novas alternativas, o que eventualmente mitiga certos desusos e velhas práticas a que estávamos até afeiçoados. É difícil dizer que o presente é melhor do que foi o passado e que o futuro nos trará ainda maiores benefícios. A gente não tem tamanha elasticidade. Nem bola de cristal. Para que não pairem dúvidas, deixo expresso que gosto da vida atual, da minha idade e circunstâncias. Mesmo. Mas, por exemplo, estou agora publicando, para vender, fotos do apartamento em que morou a família desde 64/65 até poucos anos e, no vazio das peças em exposição, percebo o NADA ABSOLUTO. Foi-se grande parte das pessoas que dava significado às coisas - que, por sua vez, também foram sumindo, móvel por móvel, livro por livro, disco por disco. Evaporou-se a família que me servia de ninho e aconchego, diluiu-se a história viva, o calor, os detalhes da memória, as relações de que era o centro, restando um simples bem de raiz cujo valor flutua ao sabor do mercado. Uma importância econômica que jamais corresponderá ao verdadeiro valor que tudo aquilo representa como fruto de doação pessoal, conquista e recordação. Senti a mesma coisa quando meus pais venderam a casa edificada com tanto amor e esmero em Encantado, a fazendola na Barra do Ribeiro, o próprio Consultório Médico e a inolvidável casa de veraneio de Xangri-lá. Não há o que compense a perda de raízes. As perdas são os grandes males da longa vida: de um parente querido, de um amigo, um colega, uma antiga namorada, de um animal de estimação. Perdas, a gente nunca esquece e, algumas delas, empobrecem a alma. O encantamento do dia a dia e as expectativas do amanhã amenizam e revigoram, claro, mas não eliminam a memória: é melhor cultivá-la para que não se torne assombração.