O VENDEDOR DE CREMOSINN: o esfriamento do amor.
Dos vendedores de rua de Itabaiana, da minha infância e adolescência, trago a lembrança de Seu Luiz do Doce (logo após o almoço ele passava na Rua 13 de Maio, com o seu saboroso doce americano), Especial (“Chora, menino, pra tua mãe comprar pitombas”) e Arlinda do Peixe (“Olha o peixe, fresco!”). Arlinda fazia questão de cortar a frase para oferecer um duplo sentido e, ainda os senhores sisudos, todos ríamos.
Já homenageei Seu Luiz do Doce em algumas crônicas, o cantor Ari Paraíba (Nuncha) fez uma música falando de Especial e o poeta Fabio Mozartt falou de Arlinda do Peixe em seu livro “Artistas de Itabaiana”.
Circula pela internet uma frase atribuída a Clarice Lispector, que diz: “Sinto saudade de tudo que marcou a minha vida. Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado sinto saudades...”. Pode até não ser de Clarice, mas esse sentimento é predominante nos poetas. Que o digam os vates e artistas plásticos Orlando Araujo Araujo e Thiago Alves, que estão constantemente recuperando essas saudades em seus poemas e quadros.
O meu netinho de 5 anos, Nicolas, gosta de ouvir o barulho do vendedor de Cavaco Chinês e sempre me pede para abrir o portão, para observar aquele senhor baixinho, um tanto solitário, considerando que quase ninguém mais compra cavaco chinês, riscar a nossa rua em João Pessoa.
Os meus filhos, então adolescentes, amavam ouvir o vendedor de doce em Santa Rita, quando morávamos na cidade das águas. O vendedor se apropriara de uma falha de dicção que virara sucesso: ele nunca pronunciava a última sílaba do doce. Era como se fosse um poeta cordelista passando o metro, considerando a tônica e cortando a átona.
Há toda uma poesia nos jargões dos vendedores! Quando tenho tempo vou à feira livre, analisar esse laboratório das relações humanas. Quando passei em cidades como Recife, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, busquei galerias, museus, mas também visitei os seus mercados públicos, expressão maior dos seus povos. O poeta e cineasta Marco Di Aurélio afirma que toda a sua formação foi analisando a feira livre, fomento para construir a sua poética e as suas personagens.
Pois bem, como dizia minha avó Maria, fui surpreendido com a violência de um senhor contra um vendedor de “Cremosinn”, na cidade de João Pessoa, indignado com o seu jargão: “Olha o Cremosinn!” Justificativa: “O meu filho é altista e perde o equilíbrio, sempre que o vendedor passa!”
Não precisa ter expertise para compreender que a carência da casa desse intransigente, inexorável, intolerante senhor é o amor.
Talvez não sirva o exemplo de amor, de excelência relacional pai e filho, do poeta e jornalista Linaldo Guedes com o seu Vinicius, porque haverão de dizer que o poeta é sensível por natureza. Mas “tá valendo, boy”! Vinicius tem sido um bálsamo na vida do poeta, que refaz as suas forças e a sua crença na humanidade falando com Vinicius, beijando e abraçando Vinicius, ouvindo os seus comentários e entendendo que a sabedoria de Deus é um pouco refletida na pureza do menino. Isto é amor!
João ensinava que, "Ninguém jamais viu a Deus; mas se amarmos uns aos outros, Deus está em nós, e em nós é aperfeiçoado o seu amor" (I João 4:12), mas haverão de dizer que isso é conceito de religioso. Então, ainda sem religiosidade, o homem deve entender que a vida é passageira e que, por conta dessa ‘volatilidade’, convém aprender a viver em harmonia.
Há outra frase que pego da internet, que dizem ser um provérbio aborígene, interessante: “Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O nosso objetivo é observar, crescer, amar. E depois, voltarmos para casa.”
Alguns leitores dirão que não, mas a lei da semeadura tem plena aplicação! É simples: plantou feijão, colherá feijão!
Concluo transcrevendo Mateus, capítulo 7, verso 12:
“Assim, em tudo, façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam; pois esta é a Lei e os Profetas".