MISSÃO MORTUÁRIA

Meu pai e seu irmão, ambos médicos, Nilo Conceição, também muito amigos, combinaram que o sobrevivente, no caso de morte do outro, espetaria uma agulha no cadáver do outro, pois havia o lendário receio da pessoa ser enterrada ainda viva. Assombrações das antigas. Eu nem me lembrava da história. Quando faleceu tio Nilo, meu primo, Paulo Luís Squeff Conceição, chamou-me a um canto em pleno velório e discretamente disse: “Olha, quando morreu tio Darcy, o pai contou que lhe espetou um alfinete para cumprir a promessa. Aqui na família, não nos sentimos à vontade em fazê-lo, portanto, te peço um favor, como filho mais velho do tio, que espetes o corpo do pai.” Então, relembramos a combinação dos jovens médicos. Achei que não podia fugir ao compromisso. Paulo me deu um reforçado alfinete de gravata e eu assumi o ônus: “deixa comigo”. Também muito discretamente, cônscio da minha responsabilidade familiar, aproximei-me do caixão e, quando vi que ninguém prestava atenção, enfiei fundo o objeto na mão sem vida do tio. Minutos depois, devolvi o apetrecho e assegurei: “missão mortuária cumprida, nem um pio.”