Signal

Enquanto caminhava sob a luz do luar, admirava as criaturas mitológicas e figuras formadas pelas constelações estelares, lutando em frenesi umas com as outras. O sol havia se posto há muito, e suas nuances avermelhadas foram substituídas pelo fogo-fátuo da escuridão noturna. A vida parecia ter entrado em um estado de baixa entropia, não havia nenhum indício de que as coisas mudariam de lugar.

Lugar-comum é a coisa da qual eu fugia. Tudo era apático, sem graça, insosso. A magia havia morrido e, em seu lugar, nasceu a fria e incauta desesperança. As pessoas costumavam sorrir, interagir mais, porém, com o tempo se tornaram cascas vazias, isentas do calor aconchegante das emoções verdadeiras. Não falo em sentimentalismo barato, não, nada disso. Mas refiro-me a troca desinteressada, genuína e espontânea de valores, da troca de experiências e aprendizado, que faziam da existência algo vivo. O ser humano já não vive mais, apenas existe.

Ergui a minha fronte e passei a analisar com cautela cada astro acima de mim, procurando por um significado, qualquer coisa que fizesse sentido. Esse é um hábito que adquiri com o passar dos anos, e se tornou parte obrigatória da minha rotina. E nessa noite em especial, fui levado para muito mais longe do que o de costume. As respostas que há muito eu perseguia, resolveram vir até mim, de uma maneira inesperada. Pude enxergar no espaço infinito do firmamento, recortes diversos do mundo atual.

Ao olhar para a balança da justiça, representação de Libra, ela nunca me pareceu tão propensa a pender para um de seus lados. A raça humana se corrompeu de tal forma que o conceito de moral se tornou algo relativo, e, enquanto aqueles que tentam fazer o bem são tachados como loucos, aqueles que fazem ações ruins sempre encontram alguma justificação para o seu erro em alguma de suas milhares de versões alternativas de moralidade.

O Leão, símbolo de força, bravura, de hombridade, determinação e coragem, se tornou um devorador de almas insaciável. Seus dentes e garras são encravados impiedosamente em suas caças indefesas, que nada mais fazem além de rezar para o seu Deus pessoal e particular enquanto servem de alimento para seus algozes.

Sagitário mira cegamente algum alvo qualquer, um objetivo intangível, inalcançável. Suas mãos, antes poderosas, hoje, vacilam hesitantes. Seus dedos trêmulos ameaçam a própria existência por sua incapacidade de atirar. Seu medo de errar condenou a todos.

Penso ainda nos inúmeros peixes fora d’água que não sabem qual o seu lugar no mundo, nos inúmeros falsos puritanos que escondem suas más intenções sob a figura de uma frágil persona - virgo. Imagino o touro indomável, cujos chifres foram arrancados e cujos flancos sofreram inúmeras punhaladas que dilaceraram seu tão precioso orgulho. Reflito sobre as criaturas venenosas que não tem vergonha nenhuma em mostrar o seu ferrão, apontando-o diretamente no coração de suas vítimas. E tento encontrar o momento preciso em que falhamos.

Nesse ponto, voltei os meus olhos para a lua, cheia e brilhante, o último farol frente a um mundo sombrio e tenebroso. Eu a interrogava, no âmago de meu ser, se ela irradiava esperança ou apenas sinalizava o nosso fim. Ela me encarava de volta, e, em tom de mistério, ocultava sua resposta através de um sorriso. Pelo menos foi a impressão que eu tive, após observá-la por tanto tempo.

Depois de tantas elucubrações, distraído com meus próprios pensamentos, não notei quando um senhor de idade passou por mim, cego, maltrapilho e imundo - reflexo integral da sociedade. Ao esbarrar com essa pobr’alma, logo me apressei em pedir desculpas, no que o senhor prontamente me retrucou: “Não é a mim que você precisa prestar contas, e sim, a ti mesmo. Olhe ao seu redor, meu jovem. Você não vê que tem alguma coisa de errado com as pessoas? Com o mundo? Ora, você pode dizer que é bobagem, mas é algo que eu sinto. Quando você passa por um mendigo todos os dias e não se incomoda com sua situação ou aparência, porém por conta de um simples esbarrão se sente culpado, é porque alguma coisa está muito errada aí.”

Como eu não percebi isso antes? É o mesmo vagabundo que caminha todos os dias por aqui, nos mesmos horários, no entanto, apesar de tê-lo “visto” antes muitas vezes, não o havia “observado”. Apesar de ter “escutado” várias vezes muitas de suas frases e histórias sem sentido enquanto passava por ele, nunca de fato o havia “ouvido”. Há algo de errado acontecendo com as pessoas, e eu também faço parte disso embora, até então, não houvesse percebido. Ó céus, será que as estrelas e seu batalhão de monstros e caçadores irá em breve cobrar a nossa dívida? Será que a Lua irá nos salvar de nossa hipocrisia e mesquinhez, ou seu sorriso é de puro escárnio e ironia, "signal" de impiedade e satisfação pelo nosso cruel destino? Será que o sol voltará algum dia a brilhar sobre nós resgatando a chama e as alegrias da vida? Haverá para nós alguma salvação?

Arthurx
Enviado por Arthurx em 25/04/2018
Reeditado em 25/04/2018
Código do texto: T6318343
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