A BELEZA DA VELHICE

Pois é, mas não é exatamente o meu caso. Estou a caminho dos 72 anos, mas me dizem com convicção que hoje em dia não é mais velhice. Poderia ter 80. Na rua, não me dão mais do que 65, quando pensam que estão até exagerando na pegada. Honestamente, não fico faceiro, não faço grande questão de ser apenas “um cara mais rodado”. A questão é que não desejo aguardar os noventa anos para ser tratado com toda aquela consideração com que se contempla os bem mais idosos. Aliás, na família, meus tios/tias ultrapassam com facilidade e galhardia esta marca. E não são tratados como velhos, naquele molde quase sacral dos idos tempos. Os de trinta, quarenta ou cinqüenta me tratam como se eu fosse igual, o que é um pouco de “covardia” ou, então, distração. Quando tinha 60, tudo bem, eu competia parelho e fazia gosto; na minha idade agora – não que tenha ocorrido importantes mudanças – eu me sinto bem mais ajustado ao Senado (Câmara dos Lordes) do que à Câmara dos Comuns - à Câmara Baixa britânica, não vamos falar em Brasil. Deixo claro que isto não tem nada a ver com vaidade pessoal ou cuidados com a aparência, sempre importantes, até no caixão. Cultivo a fantasia daquele homem veterano com barba branca, saudável, mas com bengala e bem trajado, e que - figura simbólica e conselheiro-mor da família - senta-se à cabeceira da enorme mesa para as refeições de domingo. E eu aqui, assistindo até ao festival Lollapalooza, além de outras modernices que me atraem ou motivam. Bonito é ser um velho contemplativo, que escreve livro de memórias e ouve música clássica; se tivesse aptidão, tocaria piano e pouco se envolveria com mundanidades. Nada a ver comigo, geralmente de camiseta, bermuda e chinelo de dedo, passeando na quadra com três cachorrinhos. E que adora navegar nas ondas revoltas do mundo virtual. Mas, quem sabe, um dia eu alcance o ideal desta velhice literária. Há velhos que sonham com a juventude, eu cultivo a fantasia de uma velhice bonita.