UM AMIGO INCONFORMADO
Recebi longo e-mail de amigo que também vive em país latino-americano. É pessoa tranqüila e equilibrada, mas registrou elevados níveis de insatisfação com as ocorrências de seu meio. Indignava-se com o baixo nível político, a injustiça social e o brutal desnível econômico, vislumbrando poucas perspectivas de solução. Advogado qualificado e experiente, Doutor em Direito, espantava-se com a pequenez intelectual de alguns magistrados daquela nação, sobretudo pelo modo emulativo e figadal com que exerciam a judicatura, com muito apetite para si e suposto “rigor” para determinados autores ou réus, além de sofrível preparo cultural. Como advogado, queixou-se: “sinto-me seguidamente espoliado em meus direitos por comportamentos mesquinhos, por mais que lute e os comprove; poucos lêem, muitos descrêem”. Contou-me que sua esposa, empregada calejada de companhia paraestatal, era constantemente fustigada por diretores escolhidos no próprio meio laboral: “são os mais paneleiros”. Como possui ascendência européia direta, comunicou que cogita iniciar a obtenção de cidadania para trabalhar e viver em qualquer outro solo com mais civilização e qualidade humana, apesar de não ser tão jovem. Meu amigo não estava num momento muito bom, criticou duramente o governo atual, os governos passados e futuros. Disse até que o povo talvez merecesse algum castigo pela insensatez com que usaram e usam o voto. Foi, enfim, um candente desabafo. Sustentou que, na era moderna, ou pós-moderna, a ignorância excessiva não tinha desculpa, tantos são os avanços tecnológicos, mesmo nos regimes ditatoriais. Depois, meteu a boca na fúria fiscalista, na burocracia, no trânsito caótico, no desperdício do dinheiro público, na corrupção generalizada e na degradação moral. Tornou-se ameno ao falar dos filhos, da vida familiar e das recordações dos nossos idos tempos. Bem, em resposta, como me considero bom brasileiro, disse apenas que enfrentávamos problemas semelhantes, mas acreditava numa recuperação significativa em médio prazo. Assinalei, com grande esforço patriótico, que o quadro não era tão negro e que minha postura era serena em face das dificuldades circunstanciais. Disse-lhe que passamos por vários momentos complicados ao longo da história. E que há males que vêm para bem. Só espero não ter perdido o amigo.