A SAGA DE MEU AVÔ

Nos meus livros de crônicas, especialmente no último, conto a história interessante de meu avô português, José Simões de Matos, que, numa época de aventuras incríveis, deixou o interior profundo de Coelhoso, Tondela, Portugal, aos dezessete anos de idade, para tentar a sorte no Brasil. Não vou entrar em detalhes sobre todas as suas façanhas em solo pátrio, apenas direi que, finalmente, após ser garçom e até motorneiro de bonde no Rio de Janeiro, tornou-se mascate e representante comercial, com base em Pelotas, onde casou com sua primeira mulher (e prima), teve uma filha, perdendo as duas precocemente. Depois, passou a residir em Porto Alegre, onde conheceu vó Aldina Rodda Ghisoni, com quem se casou. Tornou-se representante comercial do LANIFÍCIO INGLEZ (com Z mesmo),sediado em São Paulo, controlado pelo Conde Gaspar Gasparian. Fez clientela muito boa e até cheguei a "trabalhar" com ele por uns dois ou três meses. Autodidata, escreveu livros e foi grande líder espírita, Presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, dentre outras coisas. Com dez anos, vim de Encantado e, com ele e Vó Dina, morei até os 14 anos, em Porto Alegre. Era uma figura cativante, homem muito bom, totalmente desapegado a bens materiais, voltado à pregação espiritual. Quem botava pilha, controlava o dinheiro e fazia as exigências fundamentais era Vó Dina - filha de imigrantes italianos e mulher muito atilada. Creio que Vô Matos aposentou-se na volta dos setenta anos, com apartamento próprio, pequena poupança e um INSS de valor não muito expressivo, se é que seja lícito falar em valores expressivos em aposentadorias pelo INSS. Nunca tiveram automóvel, veraneavam conosco em Capão da Canoa, mais tarde em Xangri-lá e meu pai prestava assistência médica ao casal, quando eventualmente necessário. Levavam uma vida singela, frugal, sem custos maiores. Lembro que viajavam em "caravanas espíritas" a outros estados ou ao interior, mas era raro. Sempre foram felizes, tranquilos, mesmo quando o Vô teve de amputar uma perna. Quando faleceu, Vó Dina passou a residir uma semana com meus pais e uma semana com tia Isabel e tio Cícero. Seu apartamento foi vendido e o dinheiro colocado em caderneta de poupança. Como Vó Dina viveu até os 96 anos, a poupança acabou por evaporar-se, restando-lhe os parcos recursos da pensão, que o passar do tempo também fez minguar ainda mais. Mas era dinheiro simbólico, para presentinhos, pois as filhas e os genros davam-lhe o necessário e merecido respaldo. Quando comparo aquele estilo de vida com os nossos dias, de tantas exigências e demandas, fico sem saber o que pensar sobre o amanhã. Mas, de qualquer modo, na família, não mais existem missionários.