" DE MENINA A MULHER"
Transcrevo na íntegra o texto escrito por meu falecido pai Ramon Aureo Garcia , jornalista emérito sobre um momento muito importante na vida de qualquer mulher... Lindo, divinamente bem redigido, emociona do começo ao fim... Muito obrigada, papai! Amo-te eternamente!
Apenas algumas batidas na porta são suficientes para arrancar-me do merecido repouso dominical...
Minha filha me cumprimenta rapidamente e corre esbaforida rumo ao espelho de três faces onde sua mãe começa a arrumar-se...
Vozes abafadas, quase em murmúrios não dão conta de esconder o feminil segredo... Minha filha menstruara pela primeira vez...
Agora entendo seus olhares perdidos, o sorriso tímido desabrochando em flor para um de nossos vizinhos, homem já feito, loiro, alto, olhos claros... Sempre distraído pensando em seu cotidiano de trabalho no Banco, torturado em seu terno impecável, e em sua fleuma ensaiada, o moço sequer nota os olhares em suspiro da menina, agora moça...
Mãe e filha se abraçam irmanadas pelas glórias e sofrimentos próprios de seu gênero que se perpetuarão para sempre...Neste momento, embora pai, sou apenas estranho... O instante que se protrairá por anos pertence unicamente a elas...
Ambas têm o mesmo nome, vozes semelhantes, traços indicativos que expõem flagrantemente o parentesco...
De mim Ivoninha herdou a altura, o amendoado e castanho dos olhos, e o gosto por músicas espanholas também parece ser o meu... E as unhas que tanto gosta de pintar vêm de minha finada mãe...
Apesar de muito nova interessa-se por política e literatura. Machado de Assis, Agatha Christie, e Harold Robbins a fascinam...
É apaixonada por Don Johnson, William Hurt, e pelos olhos verdes de Chico Buarque...
Eis minha filha, mulher... Mais alguns anos estará formada em algum curso da área de Humanas, de suas mãozinhas surgirão poemas a florescer o desértico mundo, suas lágrimas regarão o árido penar dos menos favorecidos, em suas letras a balança da Justiça repousará...
Não creio em Deus, em céus ou inferno... Hoje, minha Ivoninha abandonou a meninice e abriu o portal do início de sua vida adulta...
Desejo-lhe o melhor sempre! Que siga a sua vida com alegria e esperança... Que encontre o seu príncipe louro de olhos azuis, ou verdes, que netos corram lampeiros pela casa, e que jamais duvide de sua inteligência, de sua capacidade, de sua ternura!
O tempo passará, minha filha... Mas, para mim você será sempre a Ivoninha, o bebê prematuro, que foi desenganado pelos médicos e
que venceu a morte!
Seja feliz, minha filha, agora mulher!
São Paulo, março de 1987.