AMICUS
Amigo (“amicus”, em latim) é o mais raro material no concerto das relações humanas. Realmente, quem, não sendo parente próximo, está disposto a, por ele, sacrificar-se, a defendê-lo ou a prestigiá-lo, tirante interesses ou conveniência? Não vale a “amizade” que apenas se escuda numa jornada em comum. Aí, é caso de bom companheirismo, no máximo. Duas ou mais pessoas que escalam o Everest desenvolvem um importante vínculo, assim como aqueles que sobrevivem a um naufrágio, mas amizade prescinde de aventuras, sofrimento, vitórias ou feitos em comum. É uma sintonia fina, um mútuo respeito, uma afeição superior de alma, que resiste ao fluxo do tempo e às diferenças do modo de viver ou, mesmo, de pensar e sentir. Ao menos de pensar politicamente ou de sentir clubisticamente. Amigo não precisa ser companheiro, colega, vizinho, sócio, condômino, nada disto. Pode até acontecer, mas não é necessário. Então, se formos avaliar seriamente o assunto, muito poucos parceiros atingirão tal “status”, infelizmente. Como você pode ser “meu amigo” se me isola, me escanteia politicamente ou compete abertamente comigo? Digo “abertamente”, porque acredito que é humano competir, mesmo na relação positiva de casais. Só não vale puxar o tapete. Não quer dizer que você não possa criticar ou ficar desconfortável com modos do amigo, seu jeito de ser e manias. Considero grande amigo o francês Gérard, com todos seus defeitos e só nos encontramos eventualmente. Amigo também pode ser inconveniente em certas circunstâncias, a vida é assim mesmo. Vale para mim e para todo mundo. Mas eu seria capaz de sacrifício pessoal em seu favor, a despeito de todas as diferenças. Acho que a amizade entre homem e mulher é a coisa mais natural e não pressupõe outras intenções, quando verdadeira. Aliás, é amizade que muito agrega.