A MPB LEVOU UM TIRO - Por Raul Franco

Na década de 80 tinha uma frase que fazia uma brincadeira com a ideia de o rock nacional trazer uma inovação na música. Dizia-se que o rock veio dar uma blitz na MPB, também fazendo referência a banda de mesmo nome: BLITZ, que foi um verdadeiro fenômeno, trazendo algo teatral para a música e tendo uma comunicação direta com o jovem daquele tempo.

Os anos 80 nos deu grandes figuras, como Herbert Vianna, Lobão, Renato Russo, Cazuza, Arnaldo Antunes, Humberto Gessinger e tantos outros. Muitas daquelas canções continuam sendo lembradas até hoje, como Tempo Perdido, Meu Erro, Me Chama, Comida e Toda forma de poder. Viraram clássicos com o tempo. Hoje cantar Brasil, do Cazuza, continua atual - infelizmente, por conta do tema. Falar em Cazuza, dia desses eu ouvi o disco Ideologia (o melhor dele na minha opinião) de cabo a rabo e pensei: "Cara, que discão". Todas as músicas são boas. Letras excelentes, arranjos ótimos, grandes músicos. É o disco que tem Um trem para as estrelas, Brasil, Ideologia, Blues da piedade... só pra citar algumas. Só essas cações já são parte do acervo musical do Brasil de todos os tempos. Pérolas do nosso cancioneiro. Preciosidades que nasceram de uma tacada só.

Claro que nem tudo era maravilhoso nos anos 80. Tinha muita coisa ruim. Bandas de um hit só e sons mal gravados (como a maioria das bandas, mas que conseguiam, apesar das dificuldades, pensar em canções e dar a sua mensagem). Com a peneira do tempo, o que chega até hoje ainda dá um certo prazer aos ouvidos e a certeza de que, sim, havia muita gente produzindo grandes canções ou, pelo menos, tentando.

Tudo bem que naquele momento estávamos saindo da Ditadura (opa, alguém já disse que não houve ditadura no Brasil), havia uma pressa e uma vontade de falar sobre tudo. Aquele país repletos de jovens queria berrar as suas angústias e driblar a censura. Sim, muita gente foi censurada. Você comprava o disco da Blitz com duas faixas arranhadas a prego (tenho este disco para provar aos mais jovens). Uma coisa surreal! Bichos escrotos e Faroeste Caboclo eram proibidas de tocar nas rádios. Algumas vezes tinha um "piii" para cobrir o palavrão. Os censores decidiam o que você deveria ver, ouvir e falar. E ainda dizem que na ditadura tudo era maravilhoso (nem vou entrar nessa discussão porque ela me embrulha o estômago ao ouvir ou ler uma aberração dessas). O mais interessante era que muitas emissoras de rádio preferiam pagar a multa ao tocar as canções vetadas do que deixar o público sem ouvir o que e queria ouvir.

Recentemente fui ver uma entrevista do Liminha com o Tony Belotto, dos Titãs. Pra quem não sabe, Liminha é um dos grandes produtores musicais desse país; o cara e um verdadeiro Midas: onde põe a mão vira ouro. E Belotto falava da competição saudável com os Paralamas. Os Paralamas lançavam alguma coisa muito boa, os Titãs queriam fazer melhor e corriam atrás para superar os Paralamas. Imagina isso!!! O público ganhava com isso. Nós éramos presenteados.

Enfim, falo dos anos 80, porque vivi tudo isso, estava presente, e ali se deu um grande movimento de cultura jovem como nunca antes havia se visto no Brasil. Jovens falando pra jovens. E, na verdade, o gancho desse texto era isso, dizer que o rock dos anos 80 havia chegado para dar uma blitz na MPB. Ou seja, era um movimento que queria se opor ao que se pensava como velho, mofado, ultrapassado. Nisso se incluía um Ivan Lins, um Caetano, Gilberto Gil, Chico Buarque. E em um desses concertos de rock da época, havia um panfleto com o seguinte manifesto: "Nós estamos aqui para revolucionar a música popular brasileira, pintar de negro a asa branca, atrasar o trem das onze, pisar sobre as flores de Geraldo Vandré e fazer da Amélia uma mulher qualquer." Isso já mostrava para que o rock veio. E é uma coisa absolutamente normal, você se contrapor a algo do passado para apresentar o que seria a novidade. Naquele momento era importante, porque não era só se opor a um som que a juventude não queria mais ouvir, mas também a velharia de um país comandado por militares.

Em suma, se ontem a juventude queria dar uma blitz na MPB, hoje, talvez, ela queira dar um TIRO. Mas esse tiro está tão doloroso que é o nosso ouvido que está sendo assassinado. Pode ser que isso seja um reflexo dos novos tempos... E eu nem sou o cara que gosta de repetir: "Na minha época era melhor". E nem vou perder tempo mostrando o quanto é ruim o que se ouve hoje. Eu não sei. Pode ser ruim pra mim. O que sei é que tenho nas mangas algumas letras que me salvam, me dão humanidade, poesia e aquele riso gostoso de satisfação. Vou me deter nisso que me faz bem. Quero fazer mil textos exaltando o que eu gosto, o que acharia interessante que outras pessoas conhecessem. Apenas isso. Porque achei curioso lembrar disso que o Belotto falou sobre os Titãs competirem com os Paralamas, buscando produzir algo melhor do que eles. Como se respondessem com Comida para superar Alagados. E é como se o Paralamas respondesse com Perplexo para superar Miséria. Uma competição em prol de se ter algo melhor. Hoje vejo que o raciocínio é outro. É como se os "artistas" atuais quisessem produzir algo pior do que já foi feito. E nós levamos este tiro!

Agora vou me retirar para tomar um suco. Nem toddynho eu quero mais!

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 16/01/2018
Código do texto: T6227990
Classificação de conteúdo: seguro