Belmira Luisa Matabele passou - crônica de Oubí Inaê Kibuko

A exemplo das cinco orações diárias feitas pelos muçulmanos, dizem que a disciplina decorre daquilo que fazemos habitualmente e de forma continua, independente da circunstancia ou situação. Dizem.

Acostumei a receber crônicas de António Matabele, diretas de Moçambique, as quintas-feiras. Colunista e economista, ele escreve semanalmente para o jornal Wamphula Fax. Tem semana que ele adianta e manda textos a ser publicados. Como ainda não utilizo Internet móvel nem sempre replico no Cabeças Falantes de imediato. Tem também a questão da ilustração. Ignoro se há ou não há necessidade. Optei em produzir imagens condizentes, em vez de pegar prato feito na web. Ato que nem sempre encontro algo satisfatório e relacionado ao tema ou assunto abordado para clicar. E com a vida corrida, tem vez que não acesso e-mail e quando vejo, ele enviou duas, três, quatro crônicas.

Dias passados, mais precisamente dia 31 de outubro, trocando mensagens com sua filha Tatyana, pelas redes sociais, comentei que há algumas semanas não tenho recebendo suas crônicas. E pedi a ela que lhe transmitisse lembranças. Horas depois me dei conta que ela está no Brasil a trabalho e estudos, com certeza atarefada, e o mais sensato seria eu mesmo mandar-lhe um e-mail. E assim o fiz. “Saudosas saudações: Salve. Irmão Matabele, boa tarde. Saudades. Que você, Gila, Moçambique e Família estejam bem. Não tenho recebido suas crônicas nem notícias suas. Dia 26/10 completei 6 ponto 2. A TV Escola vez ou outra reprisa o documentário "Mulher, Pilar Africano". Segue o link. Gostaria de saber opiniões suas e da Gila a respeito. Tem notícias do irmão Urbano? Abraços a ele e família”.

Décadas passadas, dependendo da localização, uma carta ao continente africano levava cerca de quinze a trinta dias para chegar ao destinatário. Olorum, salve a Internet! Menos de cincoenta minutos veio resposta: “Olá Oubí Inaê Kibuko - Viva! A minha família vai bem e espero que a sua também. O Macôo, na sua triste viuvez, vai se aguentando. Mandar-lhe-ei mais um dos meus textos semanais. Saúde. Abraço. Obrigado”.

A semana passou. Duas. Ao abrir meu e-mail, vi mensagem dele na caixa de entrada e com nome feminino: Belmira Luísa Matabele. Pensei tratar-se de crônica sobre algum ente-querido e me soou novo. Até onde sei, Luísa está relacionado à guerreira. Outros dicionários eletrônicos atribuem a batalhadora, esforçada, persistente. É musa de Chico e Tom em duas canções homônimas. Um dos meus flertes juvenis e outra parceira nos tempos de baile chamava-se Luísa. Curioso, pesquisei o significado: “Belmira = Que tem bela visão; Aquela que enxerga o futuro”. Quanto a origem uns apontam para Espanha e outros para a Alemanha. Aliás, nome, conceito, astrologia, arquétipo, explicam mas não definem. Como seria Belmira em dialeto moçambicano? O irmão António Matabele é aquele tipo família. Sabe corujões? Ele é um deles. Em atos, fotos, verso e prosa para com a Gila, filhos, netos, parentes e amigos. Mesmo crítico em alguns dos seus escritos, não deixa de ser um apaixonado incondicional pela vida, pelas pessoas, pela sua família, pelo seu bairro, pelo seu país. Alguém raro no mundo atual. Deveria ser tombado como patrimônio.

Ao abrir a mensagem, com um café na mão para melhor degustar o texto, quase viro o copo no teclado: “Novembro 7 em 2:55 PM. Belmira Luísa Matabele (Milita), faleceu. Seus filhos Sandra Ivone Matabele Narciso, Rui Dode Matabele, seus irmãos António (Tonecas), José (Zeca) (ausente), Domingos (Guinguinho), Carlota (ausente), Aída (ausente), sua cunhada Virgília (Gila), netos, sobrinhos e demais familiares informam com profunda dor e consternação o falecimento do seu ente-querido Belmira Luísa Matabele, cujo funeral se realiza no dia 08 de Novembro de 2017, quarta-feira, às 14:30 horas, no Cemitério de Lhanguene, antecedido de velório na Capela do HCM, às 13:00 horas. Paz à sua alma”. Se a rainha da Inglaterra ou o Trump dessem um espirro, o mundo todo saberia. Pensei com meus botões.

Quase cai da cadeira ao saber pelo messenger que Josefa Guimas Marrato, a esposa do Macôo, faleceu. Mais uma que o noticiário internacional não emitiu uma nota sequer. "(...) ela trabalhou como oficial senior para UNICEF de 2000 2004". Conheci o casal ano passado no Aeroporto de Guarulhos. Mesmo local onde encontrei o irmão Matabele a primeira vez. Não os fotografei e fiquei me cobrando por isto. Levei câmera. Mas devido a congestionamento que gerou atraso do ônibus, provocou desencontros e rápido contato quando os encontrei na fila do check in, acabei esquecendo. Ainda guardo nossa conversa em abril deste ano: "...Salve. Que você, esposa, familiares, amigos, Moçambique estejam bem!..." Minutos depois veio a resposta: "Lamento informar-te que estou só. Minha resposta partiu deste mundo a 02 de Setembro. Ainda não acredito apesar das longas hora de solidão que tenho vivido desde a sua partida. Foram 41 anos de amizade e companheirismo inolvidáveis. A viagem ao Brasil foi a última bem como aquele nosso encontro tão fugaz que devido a esta particularidade se eternizou."

Nem sempre os rostos de selfies nas redes estão de fato felizes como a publicidade e suas configurações insistem vender. Assim respondi: "Salve. Irmão António Urbano, boa tarde. Com todo respeito peço que me informe o nome completo da sua esposa. E me desculpe. Na mensagem anterior esqueci de perguntar a causa do seu passamento. Quando nos vimos no aeroporto ela me pareceu aparentemente bem. De certo modo eu também estou de luto e sentindo-me um pouco mais órfão... Terça-feira fez quinze dias que Deise Souza Camargo, a qual eu chamava carinhosamente de Lady Deise, amiga, mestra e colega de trabalho passou. Deixou o marido José Carlos, as filhas Daniela e Fernanda e neta Marina! Um câncer no ovário fez ela partir antes do combinado. Abraços..."

Pela memória das duas rainhas e matriarcas, cuja passagem se deu pelo mesmo motivo, dediquei o texto ‘Reminiscências sobre “O mar que banha a Ilha de Goré”, de Kiusam de Oliveira.’ Quisera ser este diferente. Irmã Belmira Luisa Matabele, que talvez um dia eu viria a conhecer aqui ou lá na companhia do irmão António Matabele e trocarmos histórias, fotos e vivências; esteja você em iluminada paz junto dos que se foram! Que a sua missão tenha sido cumprida e continue nas esferas superiores, como o samba “A Amizade” pelo Fundo de Quintal. Rezemos daqui por ela...

Oubí Inaê Kibuko, Cidade Tiradentes, 14/11/2017.