CONHEÇA A MILENAR TOLEDO - PARTE I

Esta foi a nossa segunda viagem a Toledo, antiga capital espanhola, agraciada pela UNESCO, em 1986, com o título de Patrimônio Histórico da Humanidade. Trata-se de uma das cidades medievais mais encantadoras da Europa.

Viajamos de ônibus a partir de Madrid. A cidade está a setenta e dois quilômetros da metrópole e poderá ser acessada por via rodoviária e por trens de alta velocidade.

Toledo é um museu a céu aberto e, também, entre as paredes de edifícios onde relíquias milenares estão expostas à visitação pública. Igual a Firenze, na Itália. Cito Florença como referência, sem a intenção de menosprezar os demais lugares-sedes de importantes templos das artes e da cultura universal.

Para rever Toledo e conhecer novas paragens da bela comuna espanhola não nos intimidamos com o calor excessivo do verão europeu. Tampouco, nos atemorizamos diante dos desafios físicos de efetuar vigorosas caminhadas para realização de nosso intento. Valeu a pena.

Toledo está implantada no topo de uma elevação montanhosa e espraiada às margens do rio Tejo, denominado Tajo, pelos toledanos. A parte mais alta situa-se entre sete colinas, razão pela qual é comparada a Roma, cujas elevações equivalentes denominam-se Célio, Palatino, Campidoglio, Aventino, Vaminale, Quirinale e Esquilino.

Desculpe-me o leitor por não citar os nomes das colinas toledanas. Não o faço, simplesmente por desconhecê-los. Nem mesmo sei se lhes são atribuídos epítetos que as identifiquem.

A origem de Toledo remonta ao ano 192 a.C. Inicialmente, foi habitada pelos celtas, para, depois, subjugar-se aos romanos, que a batizaram de Toletum, daí o nome atual. Restos de muralhas e de um circo romano com capacidade estimada para trinta mil pessoas atestam elementos de sua identidade.

Toledo exibe aspectos medievais inconfundíveis. Foi habitada no passado, e ainda o é, por cristãos, judeus e muçulmanos. A mistura de raças e a convivência cultural favorecem aqueles que buscam o conhecimento histórico na cultura e na contemplação das artes.

Com a derrocada no Império Romano, em 411 de nossa era, a região foi facilmente conquistada pelos visigodos, nação resultante da divisão dos godos, povo germânico originário do leste europeu.

Em 711, Toledo foi conquistada pelo árabe Tariq Ibn Zivad e submetida ao domínio muçulmano. Tariq era um estrategista omíada que comandou a conquista da Península Ibérica. A história nos conta que esse general árabe desembarcou com seus guerreiros no lugar hoje conhecido por Gibraltar.

O Estreito de Gibraltar é uma separação natural entre o mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico, dividindo os continentes europeu e africano. Por ocasião do desembarque, Tariq dirigiu-se aos seus comandados, dizendo-lhes:

"Oh, meus guerreiros, para onde podeis fugir? Atrás de vós está o mar, diante de vós, o inimigo. Só vos resta a esperança da vossa coragem e da vossa determinação. Lembrai-vos de que aqui sois mais afortunados que o órfão sentado à mesa do patrão avaro. Vosso inimigo está diante de vós, protegido por um exército inumerável. Ele tem homens em abundância, mas vós, como único recurso, tendes vossas próprias espadas. Não acrediteis que eu pretenda incitar-vos a enfrentar perigos que eu próprio me recuse a partilhar convosco. Durante o ataque, estarei na frente, onde a chance de sobreviver é menor".

Com tais argumentos, Tariq Ibn Ziyad convenceu seus guerreiros. Em 19 de Julho de 711, as tropas mouras invadiram o reino visigótico e venceram a batalha. Do conflito, resultou a morte do rei dos visigodos. Em sequência a esses acontecimentos, os árabes subjugaram Córdoba, Toledo e Saragoça, submetendo-as a seus domínios, até que, em 1085, o rei Alfonso VI reconquistou Toledo.

Tariq Ibn Ziyad faleceu no ano 720, em Damasco, capital da Síria, milenar recanto de histórias que se confundem com a própria existência humana.

Registros centenários atestam aquelas e outras ações militares, expondo vestígios dos antigos invasores. A arquitetura milenar toledana reflete características árabes, resultante da dominação a que se viu submetida por 374 anos.

Até aqui, esforcei-me para descrever a cidade e os acontecimentos que a envolveram desde remotas origens aos tempos marcantes de sua história. A seguir, farei novos comentários quando relacionados aos lugares visitados. Vejamos, portanto:

Portas e pontes são marcos do passado toledano. A Porta Barroca de Alcântara, tradução da palavra Al-Qantara, em árabe, significa “poente”, foi reconstruída pelos muçulmanos no final do século X e depois pelo rei Alfonso X, em 1258. Na parte superior dessa porta encontra-se esculpido vistoso brasão de Toledo.

A Porta do Sol, erigida no século XIV, em estilo árabe, é uma das mais representativas obras da arquitetura toledana. Sua construção destinou-se a dar acesso às carruagens que transitavam pelas imediações. O brasão que ostenta no alto foi elaborado no século XVI e representa a clausura imposta a São Idelfonso, por ocasião de seu encarceramento.

A Porta Nova de Bisagra, de origem muçulmana, exibe o escudo imperial estampado no alto. Foi reconstruída em 1550, a mando do rei Carlos I, sobre as ruínas de antiga porta árabe. Compõe-se de duas colunas e passagem centralizada para acesso à Praça das Armas.

Se existe a porta nova é porque existiu ou ainda existe a porta velha, para testemunhar sua existência física e histórica. Pela Porta Velha de Bisagra passaram o rei Alfonso VI e o grande guerreiro espanhol, El Cid, quando Toledo foi reconquistada dos árabes, em 1085.

A expressão El Cid, em árabe As-Side, quer dizer Senhor. O nome completo desse personagem é Rodrigo Diaz de Vivar, nascido em Burgos, no ano 1043. El Cid, de mercenário, com serviços prestados aos reis cristãos e aos árabes muçulmanos, tornou-se herói no reino de Castela.

De Portas, já falei. Agora, será a vez de mencionar visitas a lugares historicamente ricos e tão significativos quanto os até aqui mencionados. Eis os fatos:

Estivemos pela segunda vez na igreja de Santo Tomé, edificada no século XIII e reconstruída no século XIV. A monumental torre, de formato quadrangular, é revestida de pedras trabalhadas em forma de ladrilhos.

Esse belo templo católico é famoso por exibir e manter, no primitivo local de sua instalação, durante quatro séculos, a obra O Enterro do Conde de Orgaz, de autoria de El Greco.

El Greco é apelido. Seu nome completo é Doménikos Theotakópoulos, nascido na ilha grega de Creta, em 1541. Em 1577, depois de morar em Veneza e Roma, mudou-se para Toledo, local de suas geniais produções artísticas, entre elas o excepcional quadro intitulado O Enterro do Conde de Orgaz (1586-1588).

As qualidades de pintor, arquiteto, retratista e escultor são reconhecidas em outros trabalhos magistrais de sua lavra, a saber: A Morte da Virgem (1567), Adoração dos Reis Magos (1567), Ascensão da Virgem (1579), A Santíssima Trindade (1579), O Espólio de Cristo (1579), Purificação do Templo... E outras mais.

Com a devida vênia do estimado leitor, falarei da composição artística do quadro O Enterro do Conde de Orgaz, obra-prima que retrata as exéquias de tão expressiva personalidade. O conde, de nome Gonzalo Ruiz de Toledo, foi um piedoso cristão e benfeitor da paróquia de São Tomé. Falecido em 1323, deixou em testamento a seguinte ordenança:

"Pague-se a cada ano para o cura, ministros e pobres da paróquia, 2 carneiros, 8 pares de galinhas, 2 odres de vinho, 2 cargas de lenha e 800 maravedis (moeda de ouro usada na Península Ibérica entre os séculos XII e XV)".

O conde morreu em 1323, enquanto o retrato de seu enterro foi produzido nos anos 1586 a 1588. No quadro, El Greco retratou as figuras de Jesus, Maria, anjos, santos e de demais componentes do cortejo fúnebre, com as fisionomias de personalidades da época, inclusive a dele e do próprio filho, Jorge Manuel, quando este tinha dez anos de idade. Santo Agostinho e Santo Estevão foram representados como mensageiros divinos que vieram ao enterro para levar a alma do morto para o Céu. Que privilégio!

Que tal pararmos por aqui? Temo cansá-lo com o prosseguimento desta narrativa, alongando-a para fornecer-lhe as informações que a sua atenção exige e merece. Na próxima crônica, darei continuidade. O título será o mesmo, acrescido da expressão Parte II, para diferenciá-lo do anterior. Combinado? Então, até mais ver!