E SIENA, VOCÊ A CONHECE?

No dia 29 de junho, viajamos de Florença à Siena, de ônibus. Uma viagem curta, cerca de hora e meia. Chegamos bem dispostos. O nosso estado de ânimo nos encorajou a fazer os primeiros contatos com a cidade. Era um dia de festejos religiosos e as ruas estavam abarrotadas de habitantes da cidade e de visitantes dos mais longínquos lugares do mundo.

Siena está estabelecida na região da Toscana. Sua população é estimada em 53.000 habitantes, distribuídos por uma área de 118 quilômetros quadrados.

Antes, porém, de descrever o que ali vimos satisfeitos, dedicarei algumas linhas à história do lugar. Para tanto, me louvarei em acontecimentos fantásticos, oriundos da mitologia greco-romana. Também, farei uso de informações antigas e contemporâneas, a fim de instruir o leitor no mais que me for possível fazê-lo. Esforçando-me para cumprir o prometido, direi:

Fugido de Troia, na companhia de seu pai, Anquises, e depois de muitas andanças, Eneias, filho da deusa Vênus, chegou a Lácio, na península Itálica. Com o passar dos anos, desposou Lavínia, filha do rei local.

O tempo continuou em sua trajetória célere e inexorável. Séculos depois, Amúlio, irmão do rei de Alba Longa, obrigou Reia Sílvia a tornar-se Vestal, ou seja, sacerdotisa consagrada à deusa Vesta, filha de Saturno e de Cibele.

Naquela época, Reia estava grávida do deus Marte. Da gestação, nasceram os gêmeos Remo e Rômulo, que foram alimentados por uma loba, animal considerado sagrado, a exemplo de outras variadas espécies, veneradas no antigo Egito e em outros países pagãos.

Na juventude, Rômulo e Remo saqueavam as caravanas que passavam pela região. Certa feita, Remo foi aprisionado em um desses assaltos e levado para Alba Longa, até que Rômulo o libertou. Em seguida, os dois partiram para novas aventuras.

Rômulo terminou por fundar a cidade de Roma, em 753 a.C., cujo nome gerou a discórdia entre os gêmeos, resultando no assassinato de Remo, por seu irmão, Rômulo.

Remo é tido na mitologia greco-romana como o fundador de Siena. Todavia, antigos habitantes do lugar atribuem sua origem ao reinado dos longobardos e ao imperador Carlos Magno, no ano 774.

Na Idade Média, cidades importantes do ponto de vista estratégico, econômico e político constituíam-se de cidades-estados, isto é, eram soberanas e autônomas. Daí, surgiam rivalidades e supremacias que resultavam em guerras fratricidas. Com Siena não foi diferente. No século XII, as lutas internas entre nobres rivais, e externas, envolvendo gibelinos de Siena e guelfos de Florença, tornaram-se constantes.

Os gibelinos eram facções políticas partidárias do Sacro Império Romano, enquanto os guelfos lutavam a favor do papado. Em 1260, os gibelinos venceram a luta contra os guelfos.

Antes da batalha entre gibelinos e guelfos, a cidade foi consagrada à Virgem Maria. Buscou-se, para protegê-la, uma solução divina. Hoje, os sienenses recordam-se dessa proteção, lembrando-se, também, do prometido bombardeio nazista durante a Segunda Guerra Mundial, que jamais aconteceu. Graças a Deus! Do contrário, a Siena que conhecemos não teria sido vista por nós tão fascinante quanto a conhecemos.

Siena é berço de vários Papas, entre eles, Alexandre III, Pio II, Pio III e Alexandre VII. É, também, local de nascimento de Santa Catarina, cujo genetlíaco ocorreu em 1347 e o óbito em 1380, e de São Bernardino, que veio ao mundo em 1380 e deixou-o em 1444.

Os desígnios de Deus não são os nossos. Consagrada à santa, que deveria pedir ao Senhor a devida proteção da cidade, Siena foi, em 1348, devastada pela Peste Negra, doença infectocontagiosa, manifestada sob a forma bubônica, provocada pela pulga do rato.

A cidade possui uma universidade, datada de 1203, famosa por suas faculdades de Medicina e de Direito, distinguindo-se entre as mais prestigiadas da Itália.

Não perdemos tempo. Participamos de alguns momentos festivos, comemorativos às bênçãos reivindicadas à Virgem Maria, por ocasião dos conflitos entre gibelinos e guelfos. E, por extensão, por ter poupado a cidade de bombardeios prometidos e não realizados pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial.

Gibelinos, conforme já definido em parágrafos precedentes, eram facções a serviço do Sacro Império Romano, enquanto os Guelfos aliaram-se ao papado, ou seja, à Igreja Católica. Os gibelinos derrotaram os guelfos, superiores em homens e armas. Esse encontro bélico ocorreu em 4 de setembro de 1260 e foi usado por Dante Alighieri, ao escrever a Divina Comédia.

Estivemos na praça principal ou Praça do Campo, local da edificação do Palazzo Pubblico, onde funciona, hoje, a Câmara Municipal. Apesar dos diversos estilos épicos arquitetônicos das construções, a Praça do Campo oferece um visual agradável à vista. Por isso, é considerado um dos logradouros mais bonitos da Europa, destacando-se o revestimento do piso em ladrilhos confeccionados à mão, e as nove franjas que contornam todo o espaço. Essas franjas destinam-se a lembrar das figuras dos nove guardiões da praça, nos idos de 1287 a 1355.

A Praça do Campo foi palco de grandes acontecimentos políticos de Siena. Ainda hoje se realiza ali a famosa corrida de cavalos, chamada Palio di Siena, acontecimento que ocorre duas vezes por ano, e até três, quando da comemoração do Jubileu. Em uma dessas oportunidades, a que se realizava por ocasião de nossa visita, Matilde, Márcia, Vânia e eu estávamos na cidade para confirmar o grande aglomerado humano e a enorme plateia acomodada em arquibancadas que nos fez lembrar as dos circos populares, quando éramos crianças.

A Festa do Pálio consiste na exibição de dez cavaleiros, cada qual representando um dos bairros da cidade. Trata-se de expressão cultural para lembrar ao povo suas tradições.

Em sequência, “batemos pernas” por expressivos lugares da milenar Siena. Destaco visitas a logradouros exibindo arquitetura medieval e contemporânea, monumentos históricos e esculturas onde a arte se confunde com o belo para nosso deleite espiritual. Veja por onde andamos:

Estivemos no pátio e às portas do Palácio Público, com sua fachada de pedra, concluído em 1284, posteriormente adicionado a outras edificações; do Palácio ChigiSaracini, do século XIII, também com acréscimos realizados a posteriori; da Catedral, em estilo gótico, iniciada em meados do século XII e concluída em 1380, cuja fachada pertence à genialidade de Giovani Pisano; da igreja de São João Batista, de construção iniciada em 1316; da escultura da Loba que teria amamentado o possível fundador da cidade, Remo, e seu irmão, Rômulo... E pouco ou quase nada mais vimos, motivados pela exiguidade do tempo.

Retornamos a Florença ao final da tarde. Despedimo-nos de Siena, um pouco saudosos. Disse-lhe, depois de acenar-lhe do interior do veículo em movimento: “Siena, até a próxima oportunidade! Depois de conhecer-te, endosso o título de Patrimônio da Humanidade, que, merecidamente, te foi outorgado pela UNESCO”.

Em 29 de junho, retornamos de Siena, via Firenze, onde pernoitamos e nos detivemos por mais dois dias, findo os quais, viajamos de trem, com destino a Milão. Voltamos a ser hóspedes dos milaneses até 2 de julho, data de nossa viagem à Madrid, a bela capital espanhola de quem terei imenso prazer em descrevê-la para o leitor. Isto é, dentro de minhas possibilidades literárias. E confiante na memória que já dá sinais de fraqueza.

Até mais ver!