Da Revolução das Espécies
Vivo escrevendo. Olhando o tempo passar na janela do meu coração.
Semeio furacões no cerne de minhas perturbações. Sou meio anjo, meio demônio no ápice das aflições.
Derramo a vida envenenada na célula do poema. Minha antena magnética capta a enérgica fascinação do ato de poetar.
Estou transformado, depois do parto verbal. Estou alucinado pelo meu ser esparramado em folhas brancas. Sou, agora, um corpo de palavras. Um sujeito-metáfora. Um artista desaforado, contaminado pelo vírus da rebeldia.
Sou um novo astronauta na cosmonauta do prazer. Pouso no corpo celeste do sonho. Levito algumas vezes e admiro minha ânsia fecunda. Na poesia repouso. No poema encontro minha estação espacial.
Hoje vou deslizar meus pés no Mar da Tranqüilidade de ser imortal, após fugir das garras do olho do furacão, que só enxerga o que é nocivo. Mas vamos passar a borracha nisso. Há algo maior e mais rejuvenescedor em outras fontes.
Agora vejo a loucura se dissolver nos papéis cuspidos da impressora que jorra tinta, como sêmen fecundando palavras. As dores viraram cores no Universo das invenções. O “eu” dilacerado se transformou em quadro, para ser apreciado pela multidão faminta por novos seres sacrificados em prol do amanhã.
Chegou a hora do jantar. Vocês podem engolir essas palavras que lhes são oferecidas. São minhas. Mas poderão também saciar a fome de muitos. Não sei se vocês saberão digeri-las. Tentarei ser direto, mesmo que, indiretamente, eu utilize metáforas.
Se escrevo como se estivesse orando, faz parte da minha religião de poeta. Talvez sua fé não alcance isso que se chama lirismo e sensibilidade. Você está acostumado a dar algo em troca por minutos de paz. Mas aqui não é isso que se faz. Seja mais esperto e conquiste um paraíso de estrelas.
Sua burrice não é tão santa como se diz por aí. Ler o mundo talvez seja o estudo mais profundo que você não alcança. Mas entre na dança, mesmo sem saber dançar. O que vale é a sapiência que não se põe no altar.
Vamos desmascarar o aparente? Que tal lançar sementes no vazio interior?
Agora você poderá descobrir sonhos que não conhecia. Poderá acordar dos destroços de um velho dia. E sorrir, como se a boca inventasse uma vírgula, driblando a tristeza.
Na verdade, a vida é um grande circo. Mas não devemos ser os mesmos palhaços. Poderíamos ser, de vez em quando, leões. A magia do circo permanecerá. Porém, estaremos invertendo papéis. E, quem sabe assim, descobriremos algo a mais na lona que envolve nossas vidas.
O certo é que o espírito humano está em degredo quando o medo prolifera nas costas do desatino. Mas a coragem é algo mais que uma insígnia - é algo que vem de dentro, como a beleza. Por isso, saia detrás da capa do Super-Homem. Seja você mesmo, além de tudo.
Não vou deixar essas palavras mortas, atrás das portas do sofrimento. Quero fazer uma festa de nossas dores. Que tal um “veneno anti-monotonia”? como diria Cazuza. Isso irá nos fazer bem. E como poetas, poderemos ser analistas de nós mesmos, proclamando a verdadeira revolução das espécies.