UM POUCO MAIS DE MILÃO

Deixamos o Castelo Sforzesco e fomos almoçar no Restaurante Secco, um bom ambiente gastronômico. Revigorados fisicamente, saímos a palmilhar antigas ruas milanesas, parando aqui e ali nas portas de lojas de artigos femininos.

Enquanto Matilde, Márcia e Vânia olhavam os produtos com ânsias consumistas, Orlando e eu nos detínhamos em locais reservados à venda de deliciosos sorvetes. Não foi por menos que engordei 2,5 quilos ao retornar da viagem.

Não digo que Orlando e eu deixamos a loja de sorvetes um tanto “afrescalhados”. Estávamos, sim, necessitados de um refresco para amenizar o calor intenso naqueles dias do verão europeu. O saboroso gelato nos fez sentir certo alívio da elevada temperatura. Reconheço que abusei da frescura. Por isso, engordei os dois quilos e meio. Ainda bem que, de minha parte, abandonei o mal proceder.

Caminhamos muito, naquele dia. Nessas andanças, percorremos antigo logradouro de Milão, o bairro de Brera, com o leito das ruas revestido de pedras por onde, no passado, deslizavam carruagens puxadas por cavalos, transportando os milaneses mais abastados.

Brera é um lugar fascinante. Prédios antigos dão ao ambiente um aspecto nostálgico. Restaurantes, cafés, bares, lojas de produtos da moda e da fantasia femininas constituem pontos de encontro para citadinos e turistas de diferentes nacionalidades.

Em certo restaurante de Brera, nos deixamos fotografar sentados em cadeiras com os nomes de importantes artistas do mundo esportivo. Neymar, exímio jogador brasileiro de futebol, é um deles.

Já era noite, quando chegamos à Piazza del Duomo, a Praça da Catedral. E que Catedral! Trata-se de imponente e fascinante estrutura em estilo gótico, iniciada em 1388. A construção integral da obra estendeu-se por cinco séculos. Por exemplo, parte dos pináculos somente foi concluída por decisão de Napoleão Bonaparte, quando Milão esteve sob seu domínio.

A catedral é o terceiro maior templo católico do mundo, perdendo apenas para as catedrais de São Pedro, em Roma, e de Sevilla, na Espanha. Mede 157 metros de comprimento, 93 de largura e 108 de altura. Os pináculos, ou seja, as torres, comportam 3.200 esculturas de variados tamanhos e gêneros, além de centenas de espiras, isto é, espigões em forma de espiral. As bem esculpidas estátuas estão, em alguns casos, colocadas a mais de cem metros de altura, medida corresponde à extensão do pináculo que as suporta.

Em 1769, o arquiteto Francesco Croce construiu a espira mais alta, com 108 metros. Nela, encontra-se uma estátua da Virgem Maria Assunta, também conhecida por Madonnina. Essa obra, de 4,6 metros de altura, foi esculpida em 1774, em cobre dourado, por Giuseppe Perego e pelo ourives Giuseppe Bini. A imagem da santa católica reluz altaneira do alto de seu pedestal.

Na Praça da Catedral, fotografamos à exaustão. Inclusive, o monumento equestre em honra de Vittório Emanuele II, erigido em 1859, por Ercole Rosa. Emanuele II era filho de Carlos Alberto de Savoia e de Maria Teresa d’Asburgo-Lorena. Nasceu em Turim, no dia 14 de março de 1820 e faleceu em Roma, em 9 de janeiro de 1878. Os italianos o tinham como o “pai da pátria”, por suas façanhas como estrategista militar e político respeitador da Carta Magna de seu país. A unificação da península itálica em um único estado é uma das marcas de seu prestígio político. Ele foi rei da Sardenha, de 1849 a 1861.

No amplo espaço da praça onde estão edificados os colossais monumentos da Catedral e da Galeria Vittorio Emanuele II, principalmente, centenas de pombos fazem a festa dos turistas, alimentados com ração adquirida de diversos vendedores. Nós e a legião de pessoas que para ali acorremos, exibimo-nos para fotografias com os inquietos columbídeos.

Visitamos a área interna da catedral no dia seguinte, depois de enfrentarmos, pacientemente, o sol escaldante em enorme fila composta de turistas de várias partes do mundo.

Tentarei descrever os ricos detalhes desse maravilhoso templo católico – espaços físicos, esculturas, afrescos, objetos sacros... e o mais que vimos deslumbrados –, forçando a memória, consultando anotações, fotografias e gravações auditivas de meu telefone celular, fartamente usado para tal fim.

A porta principal de acesso à catedral, confeccionada em bronze, é obra de Ludovico Pogliani, com gravuras tão fartas quanto as de suas congêneres da catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, denominada Porta do Paraíso, de autoria de Lorenzo Ghiberti, e a de Notre Dame, em Paris. Outras existem, algumas até as conheço, mas não as cito traído por lapsos de memória.

Um detalhe chamou-me a atenção em uma das gravuras esculpidas e impressas na porta da catedral, conhecido por a Flagelação. Trata-se da representação de dramático suplício imposto a um condenado que não saberei dizer se a referência é feita a Jesus. Os turistas tocam a perna esquerda da figura do carrasco exposto no lado direito da gravura, intentando obter alguma graça. O membro inferior do personagem encontra-se brilhante, em virtude da prática dessa superstição.

O interior da catedral é amplo. Considerando seus 157 metros de comprimento por 93 de largura, chega-se, facilmente, a 14.600 metros quadrados de área coberta. A enorme estrutura, fixada a 108 metros de altura, é sustentada por gigantescos pilares que suportam 3.200 toneladas de material com os quais foram edificados.

A decoração impressiona pela abundância de ricos detalhes artísticos. Vimos numerosas obras de consagrados escultores, produzidas em mármore, bronze, madeira e vidro. Os vitrais das janelas abertas à iluminação natural são gigantescos, nos quais estão impressos cerca de 3.600 cenários artísticos, incomparavelmente belos. Um dos vitrais da mais antiga janela, datada de 1475, ilustra a vida de Jesus Cristo.

Percorremos o vasto espaço das naves repletas de capelas expondo imagens de santos e de personagens eclesiásticas de um passado longínquo. É impressionante a abundância de esculturas, afrescos e objetos sacros existentes nos altares e demais dependências do santuário.

Dezenas de fotografias foram tiradas por Matilde, Márcia e eu, objetivando perpetuar em nossas lembranças a visita àquele templo católico, cuja construção foi iniciada em 1386, conforme placa indicativa exposta no local.

A seguir, destaco alguns lugares e preciosidades que não escaparam à nossa ostensiva observação: Altar Mor, com o rico Sacrário destinado à guarda da hóstia consagrada e de preciosas relíquias exaltadas pela religião católica; capela de São João Bueno, bispo de Milão no século VII; sarcófago de Ariberto de Intimiano, nascido em 970, arcebispo de grande importância histórica; cripta com os restos mortais de São Carlos Barromeo, religioso dedicado a amenizar o sofrimento de doentes acometidos da peste que assolou a cidade, em 1576, quando cem sacerdotes morreram vitimados pela pestilência. São Carlos Barromeo teria sido poupado da morte por ação divina. Ele foi canonizado em 1610, pelo Papa Paulo V.

Vimos, ainda, escultura de corpo inteiro de São Carlos Barromeo, de 1632, sem a pele do corpo, exibindo ossos, músculos, veias e artérias; fonte batismal de origem romana; candelabro de cobre, de cinco metros de altura, confeccionado por Nícola Verdun em meados do século XII, com hastes dispostas em três estágios, destinadas a fixação das velas; crucifixo que São Carlos Barromeo conduzia nas procissões pelas ruas de Milão, nos meses em que a cidade fora assolada pela peste, em 1576...

E muito mais contemplamos, deveras, fascinados. Foram tantos os detalhes e ambientes visitados que me será impossível descrever com abundância o rico acervo de obras de consagrados mestres das artes.

Em outra oportunidade, conhecemos a famosa Galeria Vittorio Emanuele II, localizada nas proximidades da catedral. A obra foi edificada entre os anos 1865 e 1867. O autor do bem concebido projeto foi Giuseppe Mengoni, que ousou executá-lo utilizando estruturas de ferro e vidro. O centro da galeria tem forma octogonal e é coberto por um vão de 47 metros de altura, dispondo de duas alas medindo 105 e 196 metros de comprimento, respectivamente, ambas com quatorze metros de largura. O centro, bem assim as alas da galeria, é repleto de esculturas elaboradas no próprio revestimento das paredes. Trata-se de elegante ponto de visitação turística e dos citadinos que ali comparecem para satisfação pessoal, seja efetuando compras em ricas e renomadas lojas ou em busca de bons restaurantes, bares e convidativos estabelecimentos de variados gêneros.

Como fazem os turistas mais empolgados, também rodopiamos sobre o mosaico representativo do brasão de Turim, na esperança de obtermos boa sorte e de retornarmos a Milão. Quem sabe!

Deixamos a Galeria Vittorio Emanuele e saímos à procura de um bom restaurante para mitigar a fome que já nos consumia lentamente. Foi na Praça Mercanti que o conseguimos. Esse interessante logradouro abriga prédios da época medieval, entre eles, o Palazzo della Ragione, do século XVIII, e o Palazzo delle Scuole Palatine, do século XVII, além dos corrimãos revestidos em mármore branco e preto, datados do século XIV. E mais: no centro da praça, um poço do século XVI, destinado à extração de água do lençol aquífero.

Almoçamos no Restaurante Signorevino, atendido por amável garçom de nacionalidade sul-americana, sem dificuldades para entender as nossas solicitações. Saciados da fome que nos afligia, andamos a pé pelas imediações da Piazza Mercanti por algum tempo.

No final da tarde do dia 23 de junho, estivemos na Galeria Renascenti. Ali, Matilde e Márcia realizaram ligeiras compras, embora tenham vasculhado o variado estoque da empresa, distribuído por quatro pavimentos. A Vânia e eu ficamos na lanchonete, oportunidade em que bebericamos um coquetel elaborado com vodca, café frio, licor de baunilha e vinho doce, batidos com gelo.

Os dias passados em Milão foram de efetiva atividade. Em nossas constantes andanças, visitamos destacados pontos turísticos. Ademais, estávamos ali para conhecer parte da milenar história milanesa, riquíssima em eventos, personalidades e arte.

A bordo de vagão do metrô da linha Cadorna, viajamos até as proximidades da igreja de San Maurizio, no Mosteiro Magigore. A suntuosidade interior do ambiente contrasta com a simplicidade da parte externa do templo, revestido com pedras de coloração acinzentada, cuja construção teve início em 1503, em terreno do mosteiro das irmãs beneditinas.

As paredes e o teto da igreja de San Maurizio são fartamente decorados com afrescos de artistas lombardos, do século XVI. O órgão, instrumento musical destinado a executar músicas sacras, data do ano 1554. O campanário foi edificado a partir de ruínas de antigo circo romano.

Numerosas obras de arte, secundadas por lindos vitrais, levam assinaturas de gênios da estirpe de Bernardino Luini, Paolo Lomazzo, Ottavio Semino, Callisto Piazza, entre outros expoentes da arte lombarda.

Também conhecemos a igreja de Santa Maria delle Grazie, construída de 1464 a 1482, mediante projeto de Guiniforte Solari. Com o passar dos anos, a edificação sofreu algumas modificações, por iniciativa de Ludovico il Moro, também conhecido por O Mouro, que mandou transformá-la em mausoléu familiar. Foram contratados renomados artistas para construção da sacristia, da tribuna e da galeria arqueada, coberta, cujo teto é ricamente trabalhado com abundantes detalhes artísticos.

Em parede do refeitório da igreja de Santa Maria delle Grazie, Leonardo Da Vinci, entre 1494 e 1498, produziu a mais notável de suas obras, a Última Ceia, consagrada mundialmente. Em 1980, a igreja e o Cenáculo foram agraciados com o título de Patrimônio Mundial da UNESCO.

Leonardo Da Vinci não era milanês. Por dezoito anos, morou na corte de Ludovico Sforza, entre os anos de 1482 e 1500. O famoso gênio Renascentista pintou o Cenáculo utilizando técnica a seco, o que lhe permitia efetuar alterações e aprimoramentos, se necessários.

Leonardo permaneceu em Milão até 1513. Depois, transferiu-se para Roma e, em seguida, para França, onde morreu. Não apenas Milão, Roma e França ficaram órfãs de Leonardo Da Vinci. O mundo inteiro reconhece a sua genialidade.

Lamentamos não ter conhecido, in loco, a obra original – e genial – de Da Vinci. Quando de nossa visita às dependências da igreja, procuramos adquirir ingressos para vê-la, mas, naquele dia não havia como comprá-los, pois a lotação estava esgotada.

Frustrados por não ter visto a obra prima de Leonardo Da Vinci, A Última Ceia, fomos conhecer o local onde ele fixara residência em Milão, nas proximidades da igreja de Santa Maria delle Grazie. Percorremos recanto por recanto de pequeno museu, ambiente depositário de valiosas lembranças.

A história registra que Leonardo Da Vinci recebera do duque Ludovico Sforza, como pagamento por ter pintado a Última Ceia, uma vinha de um hectare.

O vinhedo que visitamos, evidentemente, não é o mesmo. A réplica é reconstituição elaborada com base em documentos deixados por Leonardo Da Vinci e encontra-se na parte traseira da Casa degli Atellani, família que pertenceu à Corte dos Sforza. Atualmente, ali residem descendentes do nobre clã.

Após a morte do mestre Da Vinci, o pequeno vinhedo foi concedido a seu assistente, a título de herança.

O metrô e os bondes, alguns de épocas perdidas no tempo, são transportes de massa eficientes e rápidos. Pontuais, tornaram-se nossos usuais meios de locomoção. Os trens nos levaram às cidades do interior, das quais falarei nas próximas páginas.

Até a próxima. Desculpe o longo texto, necessário à conclusão desta parte da narrativa. Espero não tê-los cansados.