"Tá pensando que eu sou gay, porra!"

Tem uma coisa que eu preciso falar há muito tempo.

Uma coisa que passou a ter cada vez mais importância como aprendizado de vida e que eu guardo sempre no meu coração e me faz ser grato, principalmente, em relação ao mundo que a gente vive hoje.

O que falo é sobre a importância de alguns valores que meus pais me passaram. Meus pais podem ter mil defeitos, mas me ensinaram muito sobre honestidade, respeito ao próximo e tolerância com as diferenças. Quero focar sobre esses dois últimos itens.

Minha mãe conta uma história que eu recordo vagamente, mas tenho a sensação do momento que aconteceu. Ela disse que uma vez estávamos na porta de um prédio e eu vi duas moças se beijando, dentro de um carro. Eu, assustado, perguntei a minha mãe se aquilo era certo. Eu devia ter uns 10, 11 anos. Minha mãe respondeu que eram duas pessoas que escolheram ficar juntas, e, se estão se beijando, devem ter carinho uma pela outra, e devemos respeitar a escolha delas - acho que foi mais ou menos isso. Eu ouvi tudo, de forma atenta. Sei que minha mãe foi super-delicada e sincera ao responder aquilo que eu perguntei, a partir de um susto. Depois da explicação dela, eu falei: “Ah, então, ainda bem que eu gosto da fulana” (não lembro quem era a minha paixão do momento - rsrs).

Só essa situação já diz muito sobre o meu caráter, o caráter que foi construído naquele momento. Respeitar o outro era de suma importância. Não me foi dito que aquilo era errado ou uma aberração, ou mais ainda, minha mãe não me puxou com raiva para evitar que eu visse aquilo, resmungando coisas do tipo: “Isso é contra as leis de Deus”, etc, etc, etc. E hoje a minha admiração pela minha mãe é muito maior ao lembrar que ela agiu assim e me passou algo primordial que eu uso na minha vida, enquanto aprendizado, e devo passar isso adiante, como forma de mostrar o quanto é simples respeitar quem é diferente de nós.

Vou contar outra história que me lembro claramente e que também quero e preciso dividir com vocês. Eu devia ter uns 12 anos, eu acho. Antes, vale dizer que meus pais sempre foram super-boêmios. Deles eu herdei também esta paixão pela noite, pelo aspecto democrático dos bares. Digo isso, porque tem um pouco a ver com o que eu vou falar. Um dia eu acordei pela manhã, e devia ser um sábado. O som da sala estava altíssimo. Meu pai conversava com um amigo e tomava as últimas cervejas - ou seja, ele estava de emendada da noite anterior. Minha mãe também acordou no mesmo instante que eu. A pessoa com quem meu pai conversava na sala era um artista que eu admirava muito. Um cantor paraense que tem um sucesso marcante no cancioneiro popular da minha terra natal. Quando eu o vi, arregalei os olhos: “Caramba, o dono daquele hit fantástico está na sala da minha casa, conversando com meu pai”, exclamei. Lembro que ele estava de camiseta branca e um chapéu Panamá. Minha mãe cumprimentou o meu pai, dando-lhe um beijo e perguntou onde eles estavam. Aí o artista contou que estava com o meu pai no Bar do Parque, importante lugar da boemia paraense, emblemático, eu diria. E teve uma hora que ele foi ao banheiro e foi abordado por um homem que segurou o seu queixo, empurrando-o e o chamando de “viado” escroto. Ele voltou para a mesa onde estava o meu pai, segurando o rosto, sentido a dor do empurrão ou mesmo o peso da humilhação. Meu pai perguntou o que acontecera. Ele relatou o episódio. Meu pai, muito aborrecido, perguntou quem foi o cara que fez isso. O artista mostrou, apontando, assim, de longe, pro cara que já estava indo embora. Como o meu pai sempre foi bom de briga, e numa época que você resolvia no braço mesmo as coisas, ele foi até o cara e deu-lhe muita porrada para que ele aprendesse a não ter mais uma atitude igual a essa. Isso veio pra mim como um senso de justiça enorme por parte do meu pai. Defender um gay não ia fazer dele um gay, nem um simpatizante como chamam hoje - o que não teria nenhum problema também. Mas, movido pelo sentimento de justiça, meu pai não aceitou que alguém maltratasse uma pessoa devido a sua orientação sexual.

Então, eu sou a prova de que é de berço que aprendemos a respeitar aqueles que são diferentes da gente. Independente de raça, credo ou orientação sexual, o que deve haver é o respeito. Nunca tive problema de conviver com gays, até porque tenho diversos amigos e parentes que são gays. Nunca tive dúvida da minha opção sexual (opção?! Eis um termo que nunca fez sentido pra mim, afinal, não acredito em opção sexual. A pessoa já nasce, sendo o que é).

Tanto que eu nunca tive isso como problema que, algumas vezes, ouvi amigos gays se declararem pra mim e eu os tratei com respeito. Ser paquerado por um gay não diminuía a minha heterossexualidade e nem significava uma espécie de humilhação: “Quem esse cara pensa que é? Tá pensando que eu sou gay, porra!” - essas coisas idiotas que geralmente os homofóbicos sentem. Tenho respeito por gays, assim como espero que tenham por mim. Por isso, sempre, educadamente, eu dizia: “Entendo o que você sente por mim, mas não sou gay”. E, pronto, vida que segue, ninguém vai se estranhar por conta disso.

Hoje, mais do que nunca, essa é uma questão em voga. Não porque o mundo está virando gay, como dizem. Mas porque o mundo está se abrindo para isso, buscando o respeito às diversidades e toda espécie de orientação sexual. Seja o que você for, você tem direito de ser. Eu não tenho nada com isso, mas tenho que aprender a respeitar e ser solidário, quando necessário. E não vamos por Deus no centro dessa questão, porque isso não tem nada a ver e é bem irritante pegarem fragmentos bíblicos, descontextualizados, como forma de realizar mais crucificações pela vida. Parem com isso!

Essa questão dos meus pais sempre foi muito importante pra mim e, com o passar do tempo, foi se tornando cada vez mais algo precioso. Eles me ensinaram a aceitar o outro como ele é. A respeitar as orientações sexuais diferentes da minha. Nunca ouvi: “Isso é errado, cuidado com essas pessoas! Afaste-se delas”. E não virei gay, meus senhores, por conta disso. Não virei, porque nunca fui. E se eu tivesse virado, o que você tem a ver com isso? Eu cresci, sendo uma pessoa em paz comigo e com o outro. E isso é algo de uma riqueza sem tamanho.

Por isso, agradeço aos meus pais, por terem me ensinado conceitos tão importantes pra vida! Respeito ao próximo nunca é demais.

Raul Franco
Enviado por Raul Franco em 14/09/2017
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